Theatro
São Pedro, um século de arte no palco que enfrentou a ditadura
Vista noturna- Foto Sec de Cultura |
A sua inauguração em 15 de
janeiro de 1917, na rua Barra Funda esquina da rua Albuquerque Lins, região de
Santa Cecília foi noticiada pelo jornal O Estado de São Paulo, na linguagem da
época, como “‘Mais uma magnífica casa de espetáculos São Paulo conta desde
ontem”. Em sua história de um século, o Theatro São Pedro aprendeu a conviver com desafios de toda sorte, que incluíram problemas de censura pela ditadura,
nas décadas de 60 e 70, até a redução, neste ano, das verbas repassadas pela Secretaria Estadual da
Cultura, pelo corte no orçamento da pasta feito pelo Governo do Estado.
Talvez as dificuldades financeiras
tenham feito com que os 100 anos do teatro, em janeiro, passassem sem uma comemoração
especial que a data merecia. Mas, para que o ano do centenário não ficasse sem
uma homenagem, foi levada ao seu palco uma programação durante o mês de abril
que teve concertos da Orhesp na abertura (01) e no encerramento oficial (09) do
15º Concurso Brasileiro de Canto Maria Callas, com obras de Carlos Gomes, Giuseppe Verdi, Giacomo Puccini, Pietro
Mascagni, Charles Gounod, Antonín Dvorák e Francesco Cilea, com regência de
Luiz Fernando Malheiro e apresentação dos solistas vencedores. Houve, ainda,
nos dias 19, 23 e 28, com a Academia de Ópera Theatro São Pedro, a encenação da
Ópera Noce di Benevento, de Giuseppe Balducci, e nos dias 21, 26 e 30 da Ópera
Gianni Schicchi, de Giacomo Puccini.
Após a Organização Social
Santa Marcelina Cultura assumir a gestão, em maio, foi possível divulgar o
calendário e dar andamento à temporada lírica de 2017. A próxima atração, nos
dias 1,2 e 3, é a encenação da “Flauta
Mágica (Pocket Ópera), de Mozart, com a Orquestra de Bolsistas do Theatro
São Pedro, sob a regência de Juliano Dutra.
Voltando ao passado, segundo
os registros do “Estadão”, a abertura oficial
para a imprensa e convidados
daquele que é o segundo teatro mais antigo de São Paulo foi marcada por alguns
imprevistos. Como o mobiliário, encomendado nos Estados Unidos, incluindo as
cadeiras da plateia, não chegou a tempo, foram usados móveis comprados à última
hora. Entretanto, os desafios não terminariam por aí. O funcionamento do teatro
e cinema, para o público, seria no dia 16. Mas, o jornal registrou, no dia 17,
que o teatro não havia conseguido o alvará e que, portanto, a abertura fora
adiada. Finalmente, no dia 20 de janeiro de 1917, o São Pedro recebeu os ansiosos
expectadores com a exibição dos filmes A
Moreninha e O
Escravo de Lucifer.
Teatro na época da inauguração |
“Morte
e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto e música de Chico Buarque;”Marta
Saré”, de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo, com Fernanda Montenegro e Beatriz
Segal, e “Queda da Bastilha”, com Celso Frateschi e Denise Del Vecchio foram três das peças de maior conotação política apresentadas no palco
do Theatro São Pedro, em plena ditadura militar. E no seu palco se abrigavam
grupos teatrais como o Papyrus, transformando o local num foco de resistência.
Os atores Celso Frateschi e Denise Del Vecchio, por exemplo, chegaram a ser
presos em cena. A atriz Beatriz Segall ouviu a
leitura do AI-5 no palco durante as encenações de Marta Saré.
O São Pedro foi inaugurado em uma
época de florescimento cultural. Com uma história rica e surpreendente, é um
dos poucos remanescentes de uma geração de teatros de ópera criados na virada
do século XIX para o XX e que movimentavam a vida artística de São Paulo e de
outros importantes centros urbanos do Brasil e da América do Sul. São da mesma
época, por exemplo, o Teatro Amazonas de Manaus, o Teatro da Paz de Belém, o
Colón de Buenos Aires e o Solis de Montevidéu. Na capital paulista, também
proliferavam casas de espetáculos em diferentes regiões, com programação de teatro, cinema e música. Entre estes teatros estavam o Minerva,
em Santana, o Paulistano, na Rua Boa Vista, o Politheana, na Av. São João, e o Colombo, no Brás.
Desde
a sua abertura, o público que frequentava o São Pedro era bem diversificado. Havia
representantes da alta sociedade em apresentações de gala. Mas, a grande maioria
era de jovens do bairro da Barra Funda, atraídos pelos ingressos promocionais e
as sessões de cinema. Teatros semelhantes a ele não resistiram às
transformações pelas quais passou a cidade. Com a exceção do Theatro Municipal,
na Praça Ramos de Azevedo, de 1911.
Uma
longa história de abre e fecha
Programa de La Cenerentola |
A história do Theatro São Pedro foi marcada por uma
série de fechamentos e reinaugurações. Era uma época em que esse tipo de
equipamento estava entre as principais opções culturais dos centros urbanos
mais desenvolvidos, oferecendo apresentações não só teatrais, mas também
musicais e de cinema. A casa conseguiu se adaptar aos tempos e protagonizou
capítulos significativos da vida artística paulistana.
O teatro, que se mantém no mesmo endereço, foi construído em estilo eclético, predominantemente
neoclássico com detalhes em art nouveau, por iniciativa do imigrante e empreendedor
português Manoel Fernandes Lopes. O engenheiro responsável pela obra foi o
construtor Antônio Villares da Silva, que seguiu as linhas do projeto elaborado
pelo arquiteto italiano Augusto Bernadelli Marchesini, que residia na cidade. O
São Pedro, de palco italiano, com planta em forma de ferradura (além de
platéia, frisas, balcões e camarotes) era recorrente nos teatros planejados
para funcionar com programação mista, pois seu desenho permitia a instalação de
telas de projeção. Foi concebido para ser um espaço dedicado a operetas, teatro
e show de variedades, além de projeções de cinema. Serviu de alternava para
apresentação de companhias nacionais e estrangeiras, com concertos eruditos e
mostras de crianças prodígios.
A trajetória do São Pedro até os anos 40 não foi
diferente de outros teatros de bairro. Incorporado ao circuito exibidor das
Empresas Reunidas, da Cia Cinematográfica Brasileira e da Metro Goldwin Mayer, passou
por uma reforma e, em pouco tempo, tornou-se um elo menor da cadeia de exibição
cinematográfica montada no centro de São Paulo. E com a transformação urbana da
cidade e do bairro, além da crise da Cinelândia, a partir da década de 1960, o
cinema São Pedro perdeu prestígio. Em 1967 foi fechado.
Foi neste momento, que grupos de teatro, que questionavam
os rumos dados
à cultura nacional e ao próprio país, ocuparam o velho
cine-teatro. Coube ao Grupo Papyrus dar início a esta nova fase. Liderado pela
atriz Lélia Abramo e a diretora Maria José de Carvalho e integrado pelo ator
Marcos de Salles Oliveira, o artista
plástico Abram Fayvel Hochman e o produtor Vicente Amato Filho. Porém, por
falta de recursos suficientes, o grupo não pode levar adiante o seu projeto .
Interior do Teatro - Foto Sec.Cultura |
Assim, o São Pedro foi arrendado a novos
inquilinos, o casal Beatriz e Maurício Segall e o ator e diretor Fernando
Torres. Após adequações de espaços e reformas, o teatro reabriu no final de
outubro de 1968 com apresentações de música erudita. A programação teatral foi
iniciada no mês seguinte, com a montagem de “Os Fuzis da Sra.Carrar” (Bertolt Brecht) dirigida por Flávio Império.
Palcinella e Arlecchino- Foto Heloisa Bortz |
Em 11 de setembro de 1970, foi aberta uma nova sala de
apresentações, voltada a pequenos espetáculos, com o nome de Studio São Pedro.
A peça de estreia, “A Longa Noite de
Cristal”, de Oduvaldo Viana Filho, ganhou o Prêmio Molière daquele ano.
Nesse mesmo ano, foi encenada, na sala grande, um dos maiores sucessos da
década, o musical “Hair”, dirigido
por Ademar Guerra. Outra característica marcante da época foi a recepção e
incorporação ao Studio de artistas e grupos de trabalho perseguidos e
censurados como os Teatros Oficina e
Arena (entre os quais Renato Borghi, Celso Frateschi e Fernando Peixoto). Muitas
peças importantes foram encenadas, incluindo “Os Tambores na Noite” (Brecht),
“A semana” (Carlos Queiroz Telles), “Frei Caneca” (Carlos Queiroz Telles),
“Frank V” (Dürrenmat) e “Calabar” (Chico Buarque e Ruy Guerra).
Tombamento e
recuperação
Apesar do sucesso das montagens, problemas financeiros e
internos do grupo obrigaram Segall a alugar a grande sala do teatro ao Governo
do Estado e a desistir das produções próprias no Studio. A partir de 1974, o
teatro serve também de sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob
a direção do maestro Eleazar de Carvalho. A São Pedro Produções Artísticas
encerrou suas atividades em 1975, embora Maurício Segall continuasse na direção
do teatro até 1981. No final dos anos 70, o teatro foi sublocado para diferentes
grupos e apresentou ainda peças com Beatriz Segall à frente do elenco, e três
montagens marcantes: “Macunaíma” (Mário de Andrade), sob a direção de Antunes
Filho, em 1978; “Ópera do Malandro” (Chico Buarque), dirigida por Luis Antônio
Martinez Corrêa, em 1979, e “Calabar”, dirigida por Fernando Peixoto, em 1980.
Em 81, depois de nova fase de abandono, o governo
estadual iniciou o processo de tombamento do teatro, concluído em agosto de
1984, pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico). As obras de restauração incluíram a
recuperação de elementos arquitetônicos originais da construção e a reforma completa
da infra-estrutura, com implementação de novos equipamentos cênicos, de
conforto acústico, térmico, funcional e de segurança, devidamente integrados ao
restauro.
Em 24 de março 1998 o novo Theatro São Pedro foi reaberto ao público,
o que significou o início de uma nova orientação. O projeto de recuperação,
iniciado nos anos 80, fez parte de um conjunto de intervenções visando a revitalização
do centro da cidade. No ato de abertura, a Secretaria do Estado da Cultura,
nova proprietária do teatro, anuncia que o mesmo seria a sede provisória da
OSESP até a conclusão das obras da Sala São Paulo, na Praça Júlio Prestes. A
Orquestra iniciou a nova programação da casa apresentando a ópera “La
Cenerentola” (A Cinderela), de Rossini.
Mesmo com a saída da Orquestra, em julho de 1999, não
houve alteração
das diretrizes do teatro e vieram as apresentações da Camerata
Fukuda, dirigida por Celso Antunes, e uma versão para marionetes da última
ópera de Mozart, “Flauta Mágica para
Crianças”. Em 2000, a vocação operística do teatro foi confirmada não só
com montagens do repertório europeu tradicional, como “O Barbeiro de Sevilha” (Rossini), “As Bodas de Fígaro”,”Don Giovanni” e
“A Flauta Mágica” (Mozart), mas também ccm inovações brasileiras como “Domitila”, monodrama baseado nas cartas
trocadas entre Dom Pedro I e a Marquesa de Santos, “Pedro Malazartes”, comédia musical de Camargo Guarnieri, “Ventriloquist” e uma “pocket opera”
dirigida por Gerald Thomas.
A Orthesp - Foto: Heloisa Bortz |
Ainda no mesmo ano, o São Pedro inicia a série
“Sempre aos Domingos”, de junho a novembro, com a Orquestra de Câmara
Villa-Lobos. E, com a criação da Orquestra do Theatro São Pedro (Orthesp), em
2010, a instituição consolidou a sua posição de o mais importante teatro de
ópera do país.
Motivada pela bem sucedida experiência, a direção do
teatro programou para o ano seguinte uma temporada de óperas pré-definida, com
sete espetáculos, entre as quais se destacou uma inédita “L’Oca del Cairo”, de Mozart. Também nesse ano, começaram os
espetáculos de dança, como o “Dos a
Deux”, de André Curti e Artur Ribeiro, inspirado em “Esperando Godot” (Beckett). No início de 2002 foram abertos dois
novos espaços no São Pedro: a Sala
Dinorá de Carvalho, de 90 lugares, para
recitais e grupos de câmara, e o Centro de Memória da Ópera do Theatro São
Pedro, constituído a partir do acervo de mais de 6.300 peças de figurino doado
por Fausto Favale.
Fachada do teatro- Foto Heloisa Bortz |
Com todos os desafios em sua trajetória secular, o
antigo cine-teatro São Pedro preservou as atraentes linhas arquitetônicas
originais do prédio o que faz da casa um
dos poucos marcos da cultura do começo do Século XX que ainda sobrevivem na
paisagem urbana de São Paulo. Além disso, a restauração permitiu adequar o
teatro às exigências cênicas atuais, tornando-o moderno, mas sem perder as
características clássicas indispensáveis.
O teatro oferece atualmente 636 lugares, distribuídos entre dois balcões, com capacidade para acomodar 110 e 124 pessoas e uma plateia com mais 396 lugares, além de outros seis para portadores de deficiência.
O teatro oferece atualmente 636 lugares, distribuídos entre dois balcões, com capacidade para acomodar 110 e 124 pessoas e uma plateia com mais 396 lugares, além de outros seis para portadores de deficiência.
Sob nova direção
A partir de 1º de maio,
a Organização Social Santa Marcelina Cultura assumiu a gestão do Theatro São
Pedro, incluindo a Orquestra e a Academia de Ópera, a pedido da Secretaria da
Cultura do Estado de São Paulo. Em comunicado, a entidade informou que “os
recursos repassados ao longo de 2017 garantirão a realização de 24 récitas de
ópera, seis concertos da orquestra, 30 concertos de câmara, além do
funcionamento da Academia de Ópera com 24 alunos e 80 aulas, master classes e
workshops e quatro ensaios gerais abertos. Em relação aos músicos originários
da Orthesp, os recursos permitirão a
contratação de 33 músicos profissionais”.
Também no sábado (2), às 20h, haverá o Concerto de Câmara, com músicos da Orquestra do Theatro São Pedro e a cantora convidada Catarina Taira ( mezzo-soprano). O programa terá composições de W. Lutoslavwky ( Mini Overture), R. Victório (Tetragrammaton VII), G. Crumb( Vox Balaenae, for three masked players) e L. Berio ( Folk songs). Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada)
Endereço: Rua Dr. Albuquerque Lins, 207 / Rua
Barra Funda, 171 (Bilheteria). Tel.: (11) 3661 6600 / 3667 0499 (Bilheteria).
Terça a sábado, das 10h às 20h; Domingos, das 10h às 18h (Atendimento ao
público). Metrô: Estação Marechal Deodoro (Linha 3/Vermelha).
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