Palco de tragédia, castelo mal-assombrado ressurge como polo social
foto: Rogério Santos |
Já se passaram 80 anos daquela noite de 12 de maio de 1937, quando um
tríplice homicídio chocou a sociedade paulistana e ganhou as manchetes da
crônica policial da Capital. O crime, até hoje envolto em mistério, ocorreu
numa luxuosa construção do início do século XX e conhecida como o Castelinho da
Rua Apa, bairro de Santa Cecília, no Centro da cidade. E envolveu três membros
da mesma família: a mãe, Maria Cândida Guimarães, 73 anos, proprietária do
imóvel, e seus dois filhos, os advogados Álvaro Guimarães Reis, 46, Armando
Guimarães Reis, 43, foram encontrados mortos ao lado de uma pistola automática
parabellum calibre 9.
No último dia 6 de abril, o Castelinho, todo restaurado, pintado
de amarelo, com dois andares e 180 metros quadrados, e localizado no número 236
da Rua Apa, esquina com a Av. São João, voltou a ser destaque na imprensa e
redes sociais da Internet. Mas, desta vez, por outro motivos. Após 50 anos de
abandono, em ruínas, ponto de encontro de usuários de drogas e depósito de
sucata, e tido, pelos mais superticiosos, como mal-assombrado, o imóvel foi
tombado, inteiramente restaurado e se tornou a sede do Clube de Mães do Brasil.
Trata-se de uma ONG, entidade filantrópica sem fins lucrativos e que desde
1997 ocupa o espaço e ali desenvolve um amplo projeto voltado para a população
em situação de vulnerabilidade social. Haverá sempre atividades de cunho social, educacional e cultural, atendendo a crianças, moradores de
rua, dependentes químicos e catadores de papel da região. O Clube foi fundado
pela maranhense Maria Eulina Reis Hilsenbeck, uma ex-moradora de rua.
Uma longa batalha
foto: Clube de Mães |
A luta de Maria Eulina para
concretizar o seu sonho de ajudar os deserdados da sorte exigiu a superação de
vários obstáculos, sempre com muitas dificuldades, uma constante em sua vida,
desde que deixou o Maranhão em 1971, com apenas 20 anos.
Antes de fundar a ONG, o primeiro
passo foi ter o direito de usar o prédio, que pertencia à Ùnião. Isso foi
conseguido por meio da intermediação da então Primeira Dama, Dona Ruth Cardoso,
já falecida. A concessão de uso foi assinada em 1996 pela Secretaria do
Patrimônio da União, subordinada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento
e Gestão. Mas o Clube de Mães do Brasil só entrou na posse do imóvel em 1997, depois
do despejo das pessoas que haviam invadido o local, que estava abandonado desde
1982 e em ruínas, usando-o como depósito de sucata e ferro velho.
O próximo passo foi vencer a
burocracia e liberar o prédio para uma ampla reforma, pois ele estava detonado. Projetado
e construído em 1912, por arquitetos franceses, para servir de residência à
família Guimarães Reis, o imóvel já estava com processo de tombamento aberto
pelo Conselho Municipal de Preservação do
Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) desde 1991 e foi concluído em 2004,
sendo declarado Patrimônio Histórico e Cultural.
foto: Clube de Mães |
Na
sequência, Maria Eulina iniciou a longa e exaustiva procura
de parceria com um arquiteto para elaborar um projeto de restauração do prédio.
Depois de 17 tentativas, o bom samaritano apareceu na pessoa de Milton Nishida,
que aceitou o desafio, fez os primeiros levantamentos em 2010 e começou as
obras em 2015.
A última etapa também não foi
fácil, a obtenção dos recursos. Que vieram do Fundo Estadual de Defesa dos
Direitos Difusos, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Foram
liberados R$ 2,6 milhões de reais para recuperar a histórica construção, com o
compromisso de a ONG transformar o Castelinho um centro social e cultural para
atender à população de rua.
Sobre o Clube de Mães do Brasil
A fundadora
da ONG, Maria Eulina Hilsenbeck, conhecia bem a problemática das pessoas que vivem nas ruas
e de onde tirou seu aprendizado, de 30 anos de sofrimento.
foto: Clube de Mães |
Sua dura vida começou
quando saiu da desconhecida São José dos Basílios, no sertão do Maranhão, em
1971 para “tentar a sorte na cidade grande”, São Paulo. Morou por uns tempos
com uma prima, mas teve que deixar a casa por imposição do marido dela. E após
gastar todas as economias com o aluguel da pensão, sem emprego, foi morar na
rua. E por várias noites dormiu no abandonado Castelinho da Rua Apa. Ficou dois
anos na miséria até que, com a ajuda de uma benfeitora que conheceu quando perambulava
pelo Parque Dom Pedro II, arrumou trabalho em uma fábrica de laticínios. Algum
tempo depois, sua sorte mudou e casou-se com um executivo alemão da própria empresa
e que quase a demitiu..
Depois de um período de
readaptação social, em 1993 transformou em realidade o antigo sonho de fundar
uma instituição para atender os que estão em situação de rua e socialmente
vulneráveis. Ao longo dos seus 24 anos de
atividades, o Clube de Mães do Brasil mantém-se fiel aos objetivos para os
quais foi criado: “desenvolver projetos principalmente de capacitação
profissional, inserindo as pessoas no contexto social para torna-las
independentes economicamente, direcionando-as para o mercado de trabalho,
estimulando o empreendedorismo e rendas alternativas e contribuindo com a
qualidade de vida, o conhecimento cultural, ambiental e econômico.”
Fase de ajustes
Apesar de ter sido
inaugurado como sede do Clube de Mães do Brasil, em abril deste ano, com a
presença do governador do Estado e registro em toda a imprensa, o atendimento à
população de rua no Castelinho ainda não está como dona Maria Eulina deseja. E
isso talvez só ocorra a partir de janeiro, pois o prédio passa por uma fase de
ajustes nas suas instalações, que terminará em dezembro. Mesmo assim, em todo
último domingo do mês, a ONG faz uma ação social no pátio interno do Castelinho,
que inclui um almoço especial para os moradores de rua, e termina às 18 horas
com a exibição de um filme. Neste próximo (27) será apresentado “Em busca da felicidade”. O
anterior foi o nacional “Os Dois Filhos de Francisco”.
foto: Clube de Mães |
No momento, as atividades
como os cursos de corte e costura e de capacitação profissional, por exemplo,
são realizadas num outro prédio da ONG, com entrada pela Av.São João, número 2.150.
Mas este edifício, de dois andares e um subsolo, ao lado do Castelinho, tem
utilização parcial por causa de uma umidade na parte superior provocada por
infiltrações no telhado, problema que está sendo reparado.
Um outro problema, este
mais grave e de caráter financeiro, é que a ONG não recebe qualquer tipo de
subvenção do Município, Estado e União ou auxílio de entidades privadas. Atende
diariamente 50 moradores de rua, que procuram o local principalmente para se
alimentar, ou em busca de encaminhamento para tratamento de problemas de saúde,
assistência jurídica e de roupas.
Há dificuldade para o
pagamento das despesas com luz e água e, claro, com os gêneros alimentícios de
primeira necessidade. E, para ajudar, foi criado até um grupo de voluntários,
no mês passado. São 30 pessoas, mas a ONG precisa de mais gente e está fazendo
um apelo aos interessados em aderir e colaborar com o trabalho da entidade:
toda doação financeira nas contas bancárias da instituição é bem-vinda, além de
roupas masculinas, que têm intensa demanda.
Dentro do Projeto Ecoarte-Sustentabilidade
Ambiental, em uma lojinha no prédio ao lado do Castelinho são vendidas, a
preços bem acessíveis, bolsas, sacolas de supermercados/feira, porta-objeto,
carteira de bolso, sacola de viagem e praia, avental, nécessaire, porta-niquel,
porta-celular e estojos, tudo produzido por pessoas de baixa renda e
vulnerabilizadas socialmente.
Outro projeto em andamento são as Oficinas
Profissionalizantes para capacitar as pessoas
assistidas por meio dos cursos de
corte e costura (malharia e tecido) e marcenaria (com enfoque no
reaproveitamento de caixotes de feiras livres. Até agora 70 mil pessoas já
foram capacitadas. Também têm grande demanda o projeto Polo de Modas, em
parceria com o Fundo de Solidariedade do Governo do Estado, criado para
capacitar agentes multiplicadores.
foto: Clube de Mães |
Contatos para mais informações e agendar visitas: ONG Clube
de Mães do Brasil telefone 3662-1444 –
Av. São João, 2.150; Castelinho da Rua Apa, 2367– Santa Cecília
Fiquei impressionada com o trabalho que está sendo feito no local. Estou compartilhando com alguns grupos, e torço para o sucesso de suas atividades.
ResponderExcluirQuando vi O Castelinho e seus acontecimentos tristes e misteriosos, fiquei muito sensibilizada e tocada, imaginando as cenas que aconteceram naquele dia. Procurei tudo sobre o fatídico dia, e me impressionaram mais ainda. Vi também um vídeo do Jacinto Figueira. (o homem do sapato branco). Agora que ele está restaurado, como era em 1937, acho sensacional o trabalho que está sendo feito. Mas dissimuladamente meu parecer é outro, pela importância e repercussão do Castelinho. Acho que deveria ser algo que representasse mais a elite (não sou preconceituosa) é só a minha opinião de um imóvel tão importante. Beijinhos meu amor e obrigada pela surpresa.
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