quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Palco de tragédia, castelo mal-assombrado ressurge como polo social
foto: Rogério Santos
Já se passaram 80 anos daquela noite de 12 de maio de 1937, quando um tríplice homicídio chocou a sociedade paulistana e ganhou as manchetes da crônica policial da Capital. O crime, até hoje envolto em mistério, ocorreu numa luxuosa construção do início do século XX e conhecida como o Castelinho da Rua Apa, bairro de Santa Cecília, no Centro da cidade. E envolveu três membros da mesma família: a mãe, Maria Cândida Guimarães, 73 anos, proprietária do imóvel, e seus dois filhos, os advogados Álvaro Guimarães Reis, 46, Armando Guimarães Reis, 43, foram encontrados mortos ao lado de uma pistola automática parabellum calibre 9.
No último dia 6 de abril, o Castelinho, todo restaurado, pintado de amarelo, com dois andares e 180 metros quadrados, e localizado no número 236 da Rua Apa, esquina com a Av. São João, voltou a ser destaque na imprensa e redes sociais da Internet. Mas, desta vez, por outro motivos. Após 50 anos de abandono, em ruínas, ponto de encontro de usuários de drogas e depósito de sucata, e tido, pelos mais superticiosos, como mal-assombrado, o imóvel foi tombado, inteiramente restaurado e se tornou a sede do Clube de Mães do Brasil.
Trata-se de uma ONG, entidade filantrópica sem fins lucrativos e que desde 1997 ocupa o espaço e ali desenvolve um amplo projeto voltado para a população em situação de vulnerabilidade social. Haverá sempre atividades de cunho social, educacional e  cultural, atendendo a crianças, moradores de rua, dependentes químicos e catadores de papel da região. O Clube foi fundado pela maranhense Maria Eulina Reis Hilsenbeck, uma ex-moradora de rua.
 Uma longa batalha
foto: Clube de Mães
A luta de Maria Eulina para concretizar o seu sonho de ajudar os deserdados da sorte exigiu a superação de vários obstáculos, sempre com muitas dificuldades, uma constante em sua vida, desde que deixou o Maranhão em 1971, com apenas 20 anos.
Antes de fundar a ONG, o primeiro passo foi ter o direito de usar o prédio, que pertencia à Ùnião. Isso foi conseguido por meio da intermediação da então Primeira Dama, Dona Ruth Cardoso, já falecida. A concessão de uso foi assinada em 1996 pela Secretaria do Patrimônio da União, subordinada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Mas o Clube de Mães do Brasil só entrou na posse do imóvel em 1997, depois do despejo das pessoas que haviam invadido o local, que estava abandonado desde 1982 e em ruínas, usando-o como depósito de sucata e ferro velho.
O próximo passo foi vencer a burocracia e liberar o prédio para uma ampla reforma, pois ele estava detonado. Projetado e construído em 1912, por arquitetos franceses, para servir de residência à família Guimarães Reis, o imóvel já estava com processo de tombamento aberto pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo  (Conpresp) desde 1991 e foi concluído em 2004, sendo declarado Patrimônio Histórico e Cultural.
foto: Clube de Mães
Na sequência, Maria Eulina iniciou a longa e exaustiva procura de parceria com um arquiteto para elaborar um projeto de restauração do prédio. Depois de 17 tentativas, o bom samaritano apareceu na pessoa de Milton Nishida, que aceitou o desafio, fez os primeiros levantamentos em 2010 e começou as obras em 2015.
A última etapa também não foi fácil, a obtenção dos recursos. Que vieram do Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Foram liberados R$ 2,6 milhões de reais para recuperar a histórica construção, com o compromisso de a ONG transformar o Castelinho um centro social e cultural para atender à população de rua.
Sobre o Clube de Mães do Brasil
A fundadora da ONG, Maria Eulina Hilsenbeck, conhecia bem a problemática das pessoas que vivem nas ruas e de onde tirou seu aprendizado, de 30 anos de sofrimento.
foto: Clube de Mães
Sua dura vida começou quando saiu da desconhecida São José dos Basílios, no sertão do Maranhão, em 1971 para “tentar a sorte na cidade grande”, São Paulo. Morou por uns tempos com uma prima, mas teve que deixar a casa por imposição do marido dela. E após gastar todas as economias com o aluguel da pensão, sem emprego, foi morar na rua. E por várias noites dormiu no abandonado Castelinho da Rua Apa. Ficou dois anos na miséria até que, com a ajuda de uma benfeitora que conheceu quando perambulava pelo Parque Dom Pedro II, arrumou trabalho em uma fábrica de laticínios. Algum tempo depois, sua sorte mudou e casou-se com um executivo alemão da própria empresa e que quase a demitiu..
Depois de um período de readaptação social, em 1993 transformou em realidade o antigo sonho de fundar uma instituição para atender os que estão em situação de rua e socialmente vulneráveis. Ao longo dos seus 24 anos de atividades, o Clube de Mães do Brasil mantém-se fiel aos objetivos para os quais foi criado: “desenvolver projetos principalmente de capacitação profissional, inserindo as pessoas no contexto social para torna-las independentes economicamente, direcionando-as para o mercado de trabalho, estimulando o empreendedorismo e rendas alternativas e contribuindo com a qualidade de vida, o conhecimento cultural, ambiental e econômico.”
Fase de ajustes
Apesar de ter sido inaugurado como sede do Clube de Mães do Brasil, em abril deste ano, com a presença do governador do Estado e registro em toda a imprensa, o atendimento à população de rua no Castelinho ainda não está como dona Maria Eulina deseja. E isso talvez só ocorra a partir de janeiro, pois o prédio passa por uma fase de ajustes nas suas instalações, que terminará em dezembro. Mesmo assim, em todo último domingo do mês, a ONG faz uma ação social no pátio interno do Castelinho, que inclui um almoço especial para os moradores de rua, e termina às 18 horas com a exibição de um filme. Neste próximo (27) será apresentado “Em busca da felicidade”. O anterior foi o nacional “Os Dois Filhos de Francisco”.
foto: Clube de Mães
No momento, as atividades como os cursos de corte e costura e de capacitação profissional, por exemplo, são realizadas num outro prédio da ONG, com entrada pela Av.São João, número 2.150. Mas este edifício, de dois andares e um subsolo, ao lado do Castelinho, tem utilização parcial por causa de uma umidade na parte superior provocada por infiltrações no telhado, problema que está sendo reparado.
Um outro problema, este mais grave e de caráter financeiro, é que a ONG não recebe qualquer tipo de subvenção do Município, Estado e União ou auxílio de entidades privadas. Atende diariamente 50 moradores de rua, que procuram o local principalmente para se alimentar, ou em busca de encaminhamento para tratamento de problemas de saúde, assistência jurídica e de roupas.
Há dificuldade para o pagamento das despesas com luz e água e, claro, com os gêneros alimentícios de primeira necessidade. E, para ajudar, foi criado até um grupo de voluntários, no mês passado. São 30 pessoas, mas a ONG precisa de mais gente e está fazendo um apelo aos interessados em aderir e colaborar com o trabalho da entidade: toda doação financeira nas contas bancárias da instituição é bem-vinda, além de roupas masculinas, que têm intensa demanda.
Dentro do Projeto Ecoarte-Sustentabilidade Ambiental, em uma lojinha no prédio ao lado do Castelinho são vendidas, a preços bem acessíveis, bolsas, sacolas de supermercados/feira, porta-objeto, carteira de bolso, sacola de viagem e praia, avental, nécessaire, porta-niquel, porta-celular e estojos, tudo produzido por pessoas de baixa renda e vulnerabilizadas socialmente.
Outro projeto em andamento são as Oficinas Profissionalizantes para capacitar as pessoas
foto: Clube de Mães
assistidas por meio dos cursos de corte e costura (malharia e tecido) e marcenaria (com enfoque no reaproveitamento de caixotes de feiras livres. Até agora 70 mil pessoas já foram capacitadas. Também têm grande demanda o projeto Polo de Modas, em parceria com o Fundo de Solidariedade do Governo do Estado, criado para capacitar agentes multiplicadores.
Contatos para mais informações e agendar visitas: ONG Clube de Mães do Brasil  telefone 3662-1444 – Av. São João, 2.150; Castelinho da Rua Apa, 2367– Santa Cecília 


2 comentários:

  1. Fiquei impressionada com o trabalho que está sendo feito no local. Estou compartilhando com alguns grupos, e torço para o sucesso de suas atividades.

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  2. Quando vi O Castelinho e seus acontecimentos tristes e misteriosos, fiquei muito sensibilizada e tocada, imaginando as cenas que aconteceram naquele dia. Procurei tudo sobre o fatídico dia, e me impressionaram mais ainda. Vi também um vídeo do Jacinto Figueira. (o homem do sapato branco). Agora que ele está restaurado, como era em 1937, acho sensacional o trabalho que está sendo feito. Mas dissimuladamente meu parecer é outro, pela importância e repercussão do Castelinho. Acho que deveria ser algo que representasse mais a elite (não sou preconceituosa) é só a minha opinião de um imóvel tão importante. Beijinhos meu amor e obrigada pela surpresa.

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