quarta-feira, 26 de abril de 2017

Turismo com prisão em Punta Carretas
Nem tudo foram flores em minhas viagens pela América do Sul como enviado especial do Suplemento de Turismo do jornal O Estado  de São Paulo. Vivi um momento que só não se transformou em tragédia porque meu Anjo da Guarda estava de plantão. O episódio aconteceu em Montevidéu, capital do Uruguai, que  no período de 1973 a 1985 estava sob ditadura militar.
O atual e moderno shopping Punta Carretas, inaugurado na década de 90 e hoje um dos principais centros comerciais e turísticos da cidade, era uma prisão, construída em 1910. Na época, o prédio tinha quatro andares e 48 celas  e par lá iam presos comuns e políticos, como os Tupamaros, movimento de oposição à ditadura e que promovia constantes atentados terroristas.
 O ex-presidente José Mujica, que era um dos líderes do movimento, foi detido e passou quase 14 anos em uma das celas de Punta Carretas. 
Em 1971, houve uma fuga em massa do local, envolvendo 100 presos. A evasão foi por meio de um túnel de 44 metros e a ação, considerada uma das mais espetaculares, teve repercussão em todo o mundo, sendo registrada no livro Guiness. A maioria dos que conseguiram fugir era de Tupamaros e, entre eles, estava José Mujica.
 Pouco tempo depois, Mujica voltaria a ser preso e novamente fugiu, desta vez com outros 22 companheiros. E foi neste período delicado na vida política do país que este jornalista desembarcou na capital uruguaia a convite do Ministério do Turismo local .
 O objetivo era fazer uma reportagem mostrando os principais pontos turísticos de Montevidéu. Num carro com motorista, cedido pelo Ministério, percorri numerosos locais, parando para fotografar monumentos e prédios históricos da paisagem urbana, além da praia de Pocitos, a mais procurada pelos turistas que visitam a cidade.

Neste trabalho já havia utilizado vários filmes e, quando passamos por um quarteirão formado por largas vias, observei um grande prédio, com uma atraente fachada, cercado por gradis e jardins floridos. O motorista diminuiu a marcha e eu, pela janela aberta, comecei a fotografar.  
O detalhe é que o prédio era a prisão de Punta Carretas e, para meu infortúnio, atrás do nosso carro vinha um veículo e, no seu interior, uma autoridade da polícia uruguaia. Ouvi apitos e ordens de pararmos. E o carro foi cercado por guardas armados que apontaram até metralhadoras para o nosso veículo.
Aos gritos disseram que eu estava fazendo fotos do carro do chefe de polícia, mandaram que descessemos e nos levaram para uma sala na entrada da prisão. Depois de certo tempo e alguns telefonemas, fomos colocados em um camburão, ladeados por policiais, e  conduzidos para uma delegacia ou algo parecido para sermos interrogados.  
foto : Luiz Antonio Novaes
Mostrei a identidade e o passaporte, expliquei minha condição de jornalista convidado pelo Ministério do Turismo do Uruguai para divulgar o país no Brasil. O tempo todo tinha duas preocupações: ficar preso e ver meus filmes retirados da câmera e velados, destruindo todo o meu trabalho.
A autoridade checou minhas informações junto ao Ministério do Turismo e, para meu alívio, devolveu a câmera sem abri-la. Em seguida, pediu desculpas e justificou a nossa detenção por estarmos fotografando o prédio da  Punta Carretas, onde houvera fugas recentes de lideranças do movimento Tupamaros.

Enfim, como diz o ditado, cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Fui liberado com uma observação que até hoje me causa calafrios: "Vocês correram um risco sério, porque a gente está atirando primeiro e perguntando depois".
À noite, ainda tive ânimo para conhecer o lendário Estádio Centenário, palco de grandes conquistas da seleção do Uruguai. Havia um amistoso programado, entre o time uruguaio e o Chile. Foi uma partida fraca e nem me lembro do resultado. Na manhã seguinte, após uma boa noite de sono, retornei ao Brasil. São e salvo.     


5 comentários:

  1. Opa, que história boa e que sufoco, heinnnn!!??? Bjs, Rosana

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  2. Oi amor, gostei de saber dessa aventura meio que bizarra, em detalhes que eu não sabia. Ainda bem que voltastes são e salvo. Experiências e aventuras, é o que não faltam ao longo de seu viver. Bj.

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  3. Você ainda teve ânimo, logo após essa viagem, para ir com sua esposa até Ituiutaba/MG e assistir ao casamento do seu irmão comigo, em 1°/11/1971.

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