Moscou-80 - Minha Olimpíada inesquecível (1)
“Spasiba” e “Voda”,
foram as únicas palavras do idioma russo (significam obrigado e água) que eu
consegui gravar na memória e jamais esqueci. E também nunca me esquecerei do
lugar em que me encontrava quando completei 42 anos (15 de julho). Em Moscou, às
vésperas dos XXII jogos Olímpicos da era moderna, na então União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), hoje Rússia. Foi minha Olimpíada inesquecível.
Lá se foram 37 anos desde
que, destacado pela editoria de Esportes da Folha de S. Paulo, e ao lado do
chefe de reportagem Aroldo Chiorino (já falecido) e do repórter Edgar Alves (atualmente
com uma coluna no jornal), realizei o que considero o mais impactante trabalho dos
59 anos de minha atividade jornalística.
Foram 16 dias de trabalho intenso, iniciado uma
semana antes da abertura dos Jogos, no dia 19 de julho, e concluído no dia 3
de agosto de 1980, quando o mascote
oficial dos Jogos, o ursinho Misha, impulsionado por balões coloridos, ganhou
os céus do estádio Lenin, com 103 mil pessoas, se despedindo com uma lágrima a
escorrer dos olhos. Quem não se lembra desta imagem que correu o mundo?
Com a ajuda do acervo da FSP, onde pincei informações do nosso trabalho, e mais o que guardo na minha memória e no arquivo pessoal, contarei fatos e curiosidades em que estive envolvido. Nada de me deter sobre a delicada situação política que o mundo vivia na época porque isso está registrado na história.
Mas, só pelo
dever de registrar: em represália à invasão soviética no Afeganistão, no final
de 1979 o presidente dos EUA, Jimmy Carter, ordenou o boicote do seu país aos
Jogos Olímpicos de Moscou, no ano seguinte. Foi seguido por 69 aliados, no
mundo ocidental, o que reduziu a presença no evento a apenas 80 nações (a
delegação da Libéria desistiu de competir após o desfile).
O Brasil, que não aderiu ao boicote, levou 109, um
recorde, dos 5.159 atletas que desfilaram no Estádio Lenin. A frente, o maior destaque, João Carlos de
Oliveira, o João do Pulo, recordista mundial do salto triplo. Maior esperança
para a medalha de ouro, trouxe uma de bronze. O resultado final da prova gerou
grande polêmica, pois o brasileiro teria obtido, em um dos seus seis saltos,
marca superior à dos soviéticos Viktor Saneev, que ficou com a prata (tentava
seu quarto ouro) e Jaak Uudmae, o surpreendente vencedor.
Quatro anos depois, em Los Angeles, a URSS e seus
aliados do bloco socialista deram o troco, boicotando a Olimpíada realizada em
território norte-americano.
Não foi nada fácil o trabalho da imprensa em uma
Moscou supervigiada. Tudo começava no desembarque no aeroporto de Sheremetievo,
em que se abriam e inspecionavam todas
as malas e pertences em busca, desde literatura pornográfica, drogas e até
armas. E prosseguia no gigantesco Rosyia Hotel, onde nos hospedamos e cujas
janelas davam para a praça do Kremlin e o canal do rio Moscou, que passa pela
capital soviética.
Imaginem um
hotel de 21 andares, com cerca de 6 mil leitos, num total de 3.200 quartos e
245 suítes, distribuídos por corredores quilométricos, que percorríamos
diariamente até o elevador, para só então chegar à portaria. O hotel tinha
poucas entradas e saídas para a rua. E sempre se entrava e saia pelo mesmo
lugar. Ali passávamos por uma rigorosa revista, assim como nossas máquinas de
escrever e câmeras. Para ir e voltar, é claro.
Cada jornalista, ao ser credenciado para cobrir as competições,
recebia um crachá com sua foto, uma letra impressa em tamanho bem visível e um
número no rodapé do documento, verso e reverso, além da assinatura e nome do
Pais. A letra do meu crachá era “E” assim como a de todos os profissionais da
mídia impressa, para diferenciar dos jornalistas de rádio e TV, sendo que
alguns ficavam até em hotéis diferentes.
O deslocamento
até os locais de treinamento e das provas das 23 modalidades em disputa e para
o principal Centro de Imprensa era feito de carro ou ônibus credenciados e que
só podiam circular pelas vias olímpicas ou corredores construídos e reservados
exclusivamente para este fim. Se você perdesse a hora, tinha que esperar pelo
próximo transporte, pois não poderia usar serviço de táxi. Além disso, o
transporte nos deixava a uma boa distância dos ginásios e estádios onde as
competições eram realizadas. Caminhar era preciso.
No Centro de Imprensa, sem os avanços tecnológicos
dos tempos atuais, redigíamos os textos nas máquinas mecânicas portáteis que
levamos e as matérias eram enviadas via telex, pelo pessoal local.
Dois detalhes do nosso cotidiano: policiais, com
cães farejadores, acompanhavam o trabalho da imprensa, para checar se havia
alguma bomba ou droga no local, e o fuso horário tinha uma diferença de 6 horas
entre Moscou e o Brasil. Ou seja, quando terminávamos o trabalho lá, aqui ainda
eram 18 horas. Voltávamos ao Rosyia, passávamos de novo pelo demorado ritual da
revista e com tempo suficiente apenas para um lanche, antes de dormir, pois já
havia passado a hora do jantar.
Antes de entrar, pegávamos as chaves com uma
funcionária uniformizada e de poucas palavras, que ficava de plantão desde a
manhã e que tinha a função de guardá-las até o retorno dos hóspedes. Houve um jornalista
que se queixou de que, ao voltar do trabalho, encontrou seus pertences
remexidos. Acho que era norte-americano.... Não tive este problema. A única
coisa que me incomodava era ser despertado às 6 horas, todos os dias, ouvindo,
pelo som interno do quarto, o hino do País. E com a forte luminosidade do sol
do verão.
Num regime fechado
como o da época do presidente Leonid Brejnew, uma das preocupações , além da
segurança das delegações, era com o mercado negro, a troca da moeda local, o
rublo, pelo dólar dos turistas. Os cidadãos soviéticos aproveitavam qualquer chance
que se apresentava, mesmo correndo risco de serem presos, para propor trocas
vantajosas de rublos pelo dinheiro norte-americano. Só com o dólar eles
poderiam comprar artigos importados vendidos aos turistas nas lojas dos
magazines.
Também não tinham acesso aos convites para os
eventos da programação social oferecidas aos jornalistas credenciados, antes da
abertura da Olimpíada e à autoridades estrangeiras. Como uma apresentação da
peça Romeu e Julieta, no famoso teatro Bolshoi, a que assistimos. Testemunhei
muitos cidadãos locais oferecendo rublos por um convite para entrar no
teatro.
Da janela do meu quarto, certa noite, vi policiais
se aproximarem rapidamente de um grupo de pessoas que, soube depois, estavam
fazendo o câmbio negro de moedas. Foram detidos e retirados da Praça Vermelha. Esta
prática era comum nos hotéis onde os jornalistas estavam hospedados.
Os garçons e outros funcionários vendiam também, em
pequenas latinhas, o caviar, produto típico (e caro) da culinária do país, conhecido
em todo o mundo. Eu não sou adepto desta iguaria, mas me lembro que trouxe algumas
latinhas e as coloridas Matrioskas, do rico artesanato da Rússia. São bonecas
de madeira, colocadas uma dentro da outra, quase sempre num total de dez.
Minhas filhas as conservam até hoje. Quanto ao outro produto tradicional, a
vodka, garanto que não trouxe nenhuma garrafa.
No próximo post, outro capítulo com curiosidades
sobre minha Olimpíada inesquecível.
Ô meu amor, como você é bam bam bam. Que matéria maravilhosa, interessante e que nos coloca a par de coisas peculiares que jamais saberíamos se não fosse você. Eu fico completamente absorta quando leio. Vale um eu te amo? Beijo.
ResponderExcluirBoa tarde amor. Que bom que gostastes. No proxiomo tem mais. Beijos.
ResponderExcluirOrlando, histórias inesquecíveis que devem ser compartilhadas mesmo! Continue nos presenteando com elas. Bjs Rosana
ResponderExcluirLembro me dessa olimpíada e da emoção ao ver o simpático Misha que dava boas vindas aos atletas e participantes. Pela primeira vez, pudemos ver gente de todo o mundo numa festa colorida, atrás da misteriosa Cortina de Ferro.
ResponderExcluirLembro me dessa olimpíada e da emoção ao ver o simpático Misha que dava boas vindas aos atletas e participantes. Pela primeira vez, pudemos ver gente de todo o mundo numa festa colorida, atrás da misteriosa Cortina de Ferro.
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