quarta-feira, 17 de maio de 2017

Dois séculos depois, o Caraça se volta para o turismo, sem deixar de ser um centro religioso, ecológico e cultural

“Só  a visita ao Caraça vale a viagem a Minas”.

Mineiro que sou, e respeitando o tripé do turismo do Estado de Minas, que tradicionalmente sempre girou em torno de suas famosas cidades históricas, estâncias hidrominerais e grutas, concordo plenamente com a frase dita em 1881 pelo Imperador Dom Pedro II, na rápida visita que fez à região.

E também deve ser a opinião dos mais de 70 mil turistas que, procedentes de todas as regiões do país e do Exterior, visitam o Parque Natural do Caraça para conhecer o Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens (nome oficial), na Serra do Caraça, a 120 km de Belo Horizonte, a beleza natural de sua paisagem e a variedade de sua fauna e flora.  

Antes dele, em 1831, também Dom Pedro I e a Imperatriz Dona Amélia estiveram no parque, chamado carinhosamente de “porta do céu”e que fica no município de Catas Altas.

Em sua rápida permanência de 24 horas na região, acompanhado da Imperatriz Teresa Cristina, Dom Pedro II ficou impressionado com a beleza natural de sua fauna e flora, protegidas por um círculo de montanhas. Sua admiração está expressa em palavras registradas no livro de assinaturas das personalidades ilustres que passaram pelo local ao longo dos anos.

Dom Pedro II também assistiu à aulas dadas aos alunos e não escondeu a sua admiração pelo alto nível dos estudos. No diário, que tive a oportunidade de ler na biblioteca do Caraça, escreveu: “ Assisti a todas as aulas onde gostei, em geral, do modo por que os alunos responderam”.      

No Centro de Visitantes, assisti a um documentário que mostra, aos turistas, hospedes ou visitantes, toda a história deste Santuário e centro de peregrinação, que completou 200 anos em 1974; do Colégio que funcionou por 148 anos, onde estudaram importantes personalidades da vida religiosa e política do Brasil, entre os quais os presidentes da República, Afonso Pena e Arthur Bernardes, e que foi destruído por um incêndio em 1968; da igreja neogótica construída em 1880 no lugar da antiga capelinha de 1774, e em cujo interior, sob o altar de Santo Antônio, está enterrado seu fundador, o Irmão Lourenço.  

O documentário informa que o Parque do Caraça ocupa uma área de 11.233 hectares, e que este complexo de inestimável valor religioso, ecológico, cultural, descobriu uma nova vocação, o turismo ordenado desde 1972. Tudo é administrado pela Província Brasileira da Congregação da Missão, dos padres e irmãos Lazaristas. Por decreto, desde 31 de janeiro de 1990, tornou-se Reserva Particular de Patrimônio Natural.

O primeiro marco do Santuário foi a pequena Capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em estilo barroco, construída em 1774, pelo irmão Lourenço. Trata-se de um personagem português cuja vida é cercada de mistérios. Seu nome verdadeiro seria Carlos Mendonça, da família Távora, suspeita de envolvimento num atentado contra o Rei Dom José I, de Portugal, em 1758. Todos os 11 membros de sua família foram queimados em praça pública por ordem do Marquês de Pombal.

Único sobrevivente, ele fugiu para o Brasil, em um navio, onde desembarcou por volta de 1770. Escondeu sua identidade trajando um hábito religioso da Ordem de Terceira de São Francisco, e adotou o nome de Irmão Lourenço de Nossa Senhora, como ficou oficialmente conhecido.

Quando chegou à região que seria a futura Capitania de Minas Gerais, ficou atraído pelo isolamento da área, protegida por uma cadeia de montanhas. Os bandeirantes, que já haviam incursionado por ali em busca do ouro, notaram que uma delas tinha a forma do rosto de um gigante esculpido nas pedras e lhe deram o nome de Caraça. E foi naquelas terras que o Irmão Lourenço ergueu a ermida e uma casa de acolhimento.

Antes de morrer, em 1819, o Irmão Lourenço deixou, em testamento feito em 1810, as terras e a igreja para Dom João VI com o desejo de que ali fosse erguida uma escola para o ensino religioso. No ano seguinte, o rei doou o conjunto à Congregação da Missão dos Padres Lazaristas, que construiu o colégio.

E foi exatamente o colégio que tornou o Caraça famoso em todo  Brasil e além fronteiras, como centro educacional de excelência: a instituição foi fundada em 1820 pelos conterrâneos do irmão Lourenço, os padres Lazaristas, Antônio Ferreira Viçosa e Leandro Rabelo Peixoto, que Dom João VI, mandou vir de Portugal.

 De acordo com os historiadores, mais de 10 mil alunos estudaram como internos no Colégio do Caraça, em seus 148 anos de existência. Suas atividades como instituição de ensino foram interrompidas por um incêndio de proporções gigantescas na madrugada do dia 28 de maio de 1968. O fogo, que durou oito horas, teve origem em um fogareiro elétrico que um aluno esqueceu de desligar e era usado para derreter a cola destinada ao setor de encadernação da biblioteca. O combate foi feito pelo Corpo de Bombeiro, que se deslocou desde a capital, Belo Horizonte. Todos os alunos e irmãos que dormiam no momento do incêndio conseguiram sair ilesos.

A tragédia, que comoveu o país, continua até hoje na memória de ex-alunos do colégio do qual só restaram ruínas. No próximo dia 28, terão se passado 149 anos daquela terrível madrugada: foi consumida pelo fogo toda a ala esquerda do prédio, onde ficavam os laboratórios de Química, Física e Farmácia. No segundo andar, o da biblioteca, dos 30 mil volumes, só metade pode ser salva.

O prejuízo material foi incalculável. A biblioteca permaneceu fechada e os livros guardados. Em 1990, houve a restauração parcial do prédio, que atualmente conserva de pé uma parte da estrutura incendiada e uma outra protegida por vidro. Em seu interior, no térreo, funciona um museu, que guarda o fogareiro causador do incêndio, e no andar superior a biblioteca com o livros que não foram destruídos.

No acervo, há 1.400 volumes dos séculos XVI, XVII e XVIII, entre eles raridades como o livro “História Natural, de Plínio o Velho, um soldado romano que viveu entre os anos 23 e 79 d.C., impresso em 1489; o menor livro, “Imitação de Cristo”, de 1851, e o livro do Pai-Nosso – Oratio Dominica, de 1870, em 250 idiomas.

E para os que ainda não tiveram a oportunidade de viajar para a região, o Parque Natural do Caraça é ideal para os que gostam de caminhar por trilhas, com maior ou menor grau de dificuldade, entrar em grutas, nadar em riachos, tanques de água fria, tomar banho em piscinas naturais e cascatas, e até fazer escaladas.


Outra atração imperdível, esta sempre à noite, entre 19 e 20h00, é acompanhar a chegada de um personagem que há décadas faz parte da história do Caraça: o Lobo-Guará. O animal, com sua pele cor de mel, sobe desconfiado e lentamente, os  degraus da escadaria para comer no adro da igreja do Santuário. Ali, um religioso coloca uma bacia de carne que o lobo devora sob o olhar do turistas que ficam sentados nas cadeiras ou de pé, em silêncio, e fotografando tudo. Muitos até dão a carne na boca do lobo.

Como curiosidade, um fato que não consta em nenhum registro oficial do Caraça, mas que ninguém desmente: quando de sua curta visita ao Caraça, Dom Pedro II, ao descer a ladeira que leva à escadaria de acesso à igreja, escorregou em uma pedra e caiu sentado. A pedra, hoje bem lisa e desgastada peça ação do tempo, está no mesmo lugar com o nome do Imperador gravado na mesma.


Um comentário:

  1. Este é um passeio imperdivel para os que desejam conhecer melhor a história e geografia de Minas.

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