Dois
séculos depois, o Caraça se volta para o turismo, sem deixar de ser um centro religioso,
ecológico e cultural
“Só a visita ao Caraça
vale a viagem a Minas”.
Mineiro que sou, e respeitando o tripé do turismo do
Estado de Minas, que tradicionalmente sempre girou em torno de suas famosas
cidades históricas, estâncias hidrominerais e grutas, concordo plenamente com a
frase dita em 1881 pelo Imperador Dom Pedro II, na rápida visita que fez à
região.
E também deve ser a opinião dos mais de 70 mil turistas
que, procedentes de todas as regiões do país e do Exterior, visitam o Parque
Natural do Caraça para conhecer o Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens
(nome oficial), na Serra do Caraça, a 120 km de Belo Horizonte, a beleza natural
de sua paisagem e a variedade de sua fauna e flora.
Antes dele, em 1831, também Dom Pedro I e a Imperatriz
Dona Amélia estiveram no parque, chamado carinhosamente de “porta do céu”e que
fica no município de Catas Altas.
Em sua rápida permanência de 24 horas na região, acompanhado da Imperatriz Teresa Cristina, Dom Pedro II ficou impressionado com a beleza natural de sua fauna e flora, protegidas por um círculo de montanhas. Sua admiração está expressa em palavras registradas no livro de assinaturas das personalidades ilustres que passaram pelo local ao longo dos anos.
Dom Pedro II também assistiu à aulas dadas aos alunos e não
escondeu a sua admiração pelo alto nível dos estudos. No diário, que tive a
oportunidade de ler na biblioteca do Caraça, escreveu: “ Assisti a todas as
aulas onde gostei, em geral, do modo por que os alunos responderam”.
No Centro de Visitantes, assisti a um documentário que mostra,
aos turistas, hospedes ou visitantes, toda a história deste Santuário e centro
de peregrinação, que completou 200 anos em 1974; do Colégio que funcionou por
148 anos, onde estudaram importantes personalidades da vida religiosa e
política do Brasil, entre os quais os presidentes da República, Afonso Pena e
Arthur Bernardes, e que foi destruído por um incêndio em 1968; da igreja neogótica
construída em 1880 no lugar da antiga capelinha de 1774, e em cujo interior, sob
o altar de Santo Antônio, está enterrado seu fundador, o Irmão Lourenço.
O documentário informa que o Parque do Caraça ocupa uma
área de 11.233 hectares, e que este complexo de inestimável valor religioso,
ecológico, cultural, descobriu uma nova vocação, o turismo ordenado desde 1972.
Tudo é administrado pela Província Brasileira da Congregação da Missão, dos
padres e irmãos Lazaristas. Por decreto, desde 31 de janeiro de 1990, tornou-se
Reserva Particular de Patrimônio Natural.
O primeiro marco do Santuário foi a pequena Capela de
Nossa Senhora Mãe dos Homens, em estilo barroco, construída em 1774, pelo irmão
Lourenço. Trata-se de um personagem português cuja vida é cercada de mistérios.
Seu nome verdadeiro seria Carlos Mendonça, da família Távora, suspeita de
envolvimento num atentado contra o Rei Dom José I, de Portugal, em 1758. Todos
os 11 membros de sua família foram queimados em praça pública por ordem do Marquês
de Pombal.
Único sobrevivente, ele fugiu para o Brasil, em um navio,
onde desembarcou por volta de 1770. Escondeu sua identidade trajando um hábito
religioso da Ordem de Terceira de São Francisco, e adotou o nome de Irmão Lourenço
de Nossa Senhora, como ficou oficialmente conhecido.
Quando chegou à região que seria a futura Capitania de
Minas Gerais, ficou atraído pelo isolamento da área, protegida por uma cadeia
de montanhas. Os bandeirantes, que já haviam incursionado por ali em busca do
ouro, notaram que uma delas tinha a forma do rosto de um gigante esculpido nas
pedras e lhe deram o nome de Caraça. E foi naquelas terras que o Irmão Lourenço
ergueu a ermida e uma casa de acolhimento.
Antes de morrer, em 1819, o Irmão Lourenço deixou, em
testamento feito em 1810, as terras e a igreja para Dom João VI com o desejo de
que ali fosse erguida uma escola para o ensino religioso. No ano seguinte, o
rei doou o conjunto à Congregação da Missão dos Padres Lazaristas, que construiu
o colégio.
E foi exatamente o colégio que tornou o Caraça famoso em
todo Brasil e além fronteiras, como
centro educacional de excelência: a instituição foi fundada em 1820 pelos
conterrâneos do irmão Lourenço, os padres Lazaristas, Antônio Ferreira Viçosa e
Leandro Rabelo Peixoto, que Dom João VI, mandou vir de Portugal.
De acordo com os
historiadores, mais de 10 mil alunos estudaram como internos no Colégio do
Caraça, em seus 148 anos de existência. Suas atividades como instituição de
ensino foram interrompidas por um incêndio de proporções gigantescas na
madrugada do dia 28 de maio de 1968. O fogo, que durou oito horas, teve origem
em um fogareiro elétrico que um aluno esqueceu de desligar e era usado para
derreter a cola destinada ao setor de encadernação da biblioteca. O combate foi
feito pelo Corpo de Bombeiro, que se deslocou desde a capital, Belo Horizonte. Todos
os alunos e irmãos que dormiam no momento do incêndio conseguiram sair ilesos.
A tragédia, que comoveu o país, continua até hoje na memória
de ex-alunos do colégio do qual só restaram ruínas. No próximo dia 28, terão se
passado 149 anos daquela terrível madrugada: foi consumida pelo fogo toda a ala
esquerda do prédio, onde ficavam os laboratórios de Química, Física e Farmácia.
No segundo andar, o da biblioteca, dos 30 mil volumes, só metade pode ser
salva.
O prejuízo material foi incalculável. A biblioteca
permaneceu fechada e os livros guardados. Em 1990, houve a restauração parcial
do prédio, que atualmente conserva de pé uma parte da estrutura incendiada e uma
outra protegida por vidro. Em seu interior, no térreo, funciona um museu, que guarda
o fogareiro causador do incêndio, e no andar superior a biblioteca com o livros
que não foram destruídos.
No acervo, há 1.400 volumes dos séculos XVI, XVII e
XVIII, entre eles raridades como o livro “História Natural, de Plínio o Velho,
um soldado romano que viveu entre os anos 23 e 79 d.C., impresso em 1489; o
menor livro, “Imitação de Cristo”, de 1851, e o livro do Pai-Nosso – Oratio Dominica,
de 1870, em 250 idiomas.
E para os que ainda não tiveram a oportunidade de viajar
para a região, o Parque Natural do Caraça é ideal para os que gostam de caminhar
por trilhas, com maior ou menor grau de dificuldade, entrar em grutas, nadar em
riachos, tanques de água fria, tomar banho em piscinas naturais e cascatas, e
até fazer escaladas.
Outra atração imperdível, esta sempre à noite, entre 19 e 20h00, é acompanhar a chegada de um personagem que há décadas faz parte da história do Caraça: o Lobo-Guará. O animal, com sua pele cor de mel, sobe desconfiado e lentamente, os degraus da escadaria para comer no adro da igreja do Santuário. Ali, um religioso coloca uma bacia de carne que o lobo devora sob o olhar do turistas que ficam sentados nas cadeiras ou de pé, em silêncio, e fotografando tudo. Muitos até dão a carne na boca do lobo.
Como curiosidade, um fato que não consta em nenhum
registro oficial do Caraça, mas que ninguém desmente: quando de sua curta visita
ao Caraça, Dom Pedro II, ao descer a ladeira que leva à escadaria de acesso à
igreja, escorregou em uma pedra e caiu sentado. A pedra, hoje bem lisa e desgastada
peça ação do tempo, está no mesmo lugar com o nome do Imperador gravado na mesma.
Este é um passeio imperdivel para os que desejam conhecer melhor a história e geografia de Minas.
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