domingo, 25 de abril de 2021

Restauração da Vila Itororó, sinfonia inacabada


Fotos Estadão

Demorou. As obras começaram a sair do papel em 2014. Mas, finalmente no dia 20 de Dezembro de 2019 o restauro  arquitetônico da Vila Itororó foi entregue à cidade pela Secretaria Municipal da Cultura. Mas apenas parcialmente, é verdade.  Na primeira fase foram recuperadas as casas 5, 6 e 7 e o bloco 11, com nove apartamento. A segunda etapa contemplará as casas 2, 3, 4, 9 e 10 e por último o Palacete, a primeira piscina particular da cidade e uma quadra poliesportiva.


A restauração representa um terço de todas as edificações da Vila e nas casas inauguradas estão instalados um restaurante comunitário, espaço de residência artística, laboratório de fabricação digital e marcenaria (chamado de fab lab) e, ainda, a sede da Casa da Memória Paulistana, que integrará a rede Museu da Cidade. 

Caminhava tudo bem, até a eclosão da Covid 19, que obrigou à suspensão das visitas monitoradas a este novo pólo cultural de São Paulo. Assim como todas as atividades que estavam integrando, a população em geral e principalmente os antigos moradores da Vila, aos espaços restaurados.  Até então, ali se desenvolviam  oficinas, exposições, debates e programação de lazer,  ampliando o que se fazia no galpão do Centro Cultural Vila Itororó Canteiro Aberto, criado no mesmo terreno, em 2015.

Fotos Estadão

E surgiu um outro problema, também sério: falta de aporte de recursos da Prefeitura, via Secretaria da Cultura. E as obras da segunda e terceira fases da restauração, incluindo cinco casas, e a estabilização e recuperação Palacete, também chamado de Casarão, estão paralisadas. Desde o final do contrato com a Concrejato, empresa de engenharia responsável pela sua execução, após a entrega da primeira etapa. Sem previsão de reinício e de conclusão, o que exigirá uma nova licitação e a um custo maior. Por enquanto, é uma sinfonia inacabada. 

Mas, espera se que, assim que tudo estiver normal, e como vinha acontecendo, pelo menos recomecem as visitas monitoradas e o acesso dos turistas ao pátio das casas. Eram feitas de quinta-feira a domingo, às 16 horas e de forma gratuita. O passeio tinha duração de 1h30, com entrada pela Rua Pedroso, 238.

Meio século de abandono



foto: wikipédia
A Vila Itororó conheceu um período áureo até a morte do construtor em 1932, sem deixar herdeiros e endividado. Ficou mais de 50 anos abandonada, época em que transformou-se em cortiço e entrou em franca degradação já nos anos 70. Viu, pouco a pouco, seus moradores transferidos para apartamentos da CDHU. Houve ainda, em 1978, uma tentativa, sem êxito, do SESC de comprar o conjunto de casas para ali implantar um centro de convivência cultural, com teatro, biblioteca e cinema abertos ao público. Mas, o sonho de fazer do conjunto arquitetônico , que data de 1922, um polo cultural, turístico e gastronômico, agora é realidade. Pelo menos parcialmente.
Viabilizado por um projeto aprovado pela Lei Rouanet, de incentivo à Cultura, com a parceria da Prefeitura e da iniciativa privada, o Instituto Pedra, órgão gerenciador  do processo de revitalização do complexo desde o início das obras em 2014, previa para até outubro a entrega de um dos edifícios que integram o Bloco de número 11. De acordo com a arquiteta Mariana Victor, da equipe daquela entidade, em entrevista a este Blog, ), os trabalhos de restauro das casas dos blocos, de números 5, 6 e 7, da praça, do Palacete e da piscina do complexo,  não tinham prazo definido para conclusão.

foto: Instituto Pedra
 Para a execução de todas as obras  de restauração seria necessária a captação de R$ 50 milhões, sendo que R$17 milhões via Lei Rouanet. (Lei de Incentivo à Cultura). Desse montante,  foram utilizados R$ 15 milhões, segundo o Instituto Pedra. Os recursos complementares viriam de patrocinadores, pessoas físicas e jurídicas, da iniciativa privada, entre os quais  Banco Itaú e a construtora Camargo Corrêa e o BNDES. 

O canteiro de obras da Vila Itororó inclui a área do pátio e os 11 edifícios da Vila, onde foi iniciado o restauro propriamente dito, e um grande galpão com acesso pela rua Pedroso, 238. Único setor aberto a maior parte do tempo ao público, o galpão funcionou como um Centro Cultural Temporário e de lá é possível ter uma visão panorâmica da Vila. 

No espaço ficavam os escritórios da obra, as áreas de uso da equipe de ativação cultural e dos trabalhadores que atuavam no restauro, uma marcenaria, uma biblioteca e uma cozinha. Frequentado inclusive por moradores de rua da região que podiam guardar seus pertences em armários, no local eram realizados palestras, oficinas, seminários, debates, sessões de cinema e de teatro. Um piano estava á disposição para quem quiser tocar. 

Ocupação do espaço público

A história da Vila, tombada pelo Município (2002) e pelo Estado (2005) começa com a sua inauguração em plena Semana de Arte Moderna, no ano de 1922, e também do Centenário da Independência. Foi um empreendimento ousado do empresário Francisco Castro. Considerado um visionário por muitos, ele idealizou e  construiu, por etapas, aquele que foi o primeiro conjunto arquitetônico no país a utilizar material reciclado de várias construções. Principalmente do Teatro São José, erguido em 1909 e demolido em 1920, e que ficava na cabeceira do Viaduto do Chá, onde é hoje o Shopping Light, vizinho ao Teatro Municipal.  A finalidade da obra foi justificada pelo seu criativo empreendedor para a “ocupação do espaço público pela comunidade”.
foto Milu leite

 
A singular arquitetura da Vila Itororó, de estilo eclético, é definida por especialistas em urbanismo como “surrealista”, pelas suas características incomuns na época. O conjunto arquitetônico é constituído por 10 edificações construídas para fins residenciais e um palacete ou casarão, com três pavimentos, onde morava Francisco de Castro. 

Está localizado na encosta do antigo vale do riacho Itororó, em uma área de topografia irregular, na quadra que compreende as ruas Pedroso, Martiniano de Carvalho, Maestro Cardim e Monsenhor Passalaqcua, divisa entre os bairros da Liberdade e da Bela Vista, conhecido como Bixiga. O nome Itororó foi em homenagem ao riacho que passava pelo local, canalizado muitos anos depois e sobre o qual está a atual avenida 23 de Maio. Dentro da Vila foi construída a primeira piscina privada, de uso público, em São Paulo e que funcionou até os anos 1980. Fazia parte do clube Eden Liberdade e era abastecida com água daquele riacho.

As obras foram iniciadas após conclusão de minucioso e inédito levantamento histórico, iconográfico e arquitetônico do conjunto da Vila Itororó pelo Instituto Pedra, que abriu o canteiro ao público com uma proposta inovadora: instalou um Centro Cultural Temporário permitindo que a  restauração fosse compartilhada pela comunidade por meio de visitas gratuitas e monitoradas, que se iniciaram em abril de 2015, ao pátio das casas. A população conheceu os detalhes do projeto e  as origens do conjunto que faz parte da própria cidade e é estimulada a debater coletivamente os usos futuros ao lado de pesquisadores, arquitetos, artistas e trabalhadores da obra. 

Projeto ainda gera polêmica

foto: Instituto Pedra
A primeira proposta de intervenção no espaço surgiu em 1974, de autoria dos arquitetos Benedito Lima de Toledo, Claudio Tozzi e Décio Tozzi. Mas foi apresentado um novo projeto, bem mais atualizado, pelo Instituto Pedra, e aprovado pelos órgãos de preservação em 2010. Trata-se de um novo olhar sobre esse conjunto de imóveis auto-construídos, reconhecendo a importância cultural deste tipo de bens, até então não valorizados pelos órgãos de patrimônio. Como era de se esperar, a ideia de transformar o local num polo artístico, gastronômico e turístico gerou uma grande polêmica entre arquitetos, moradores, movimentos sociais e órgãos de patrimônio, principalmente por não levar em conta o destino dos então moradores. Na verdade, o debate se arrasta até hoje e ainda não há respostas a algumas questões, entre elas, por que fazer um centro cultural num local de moradia, como integrar a moradia ao projeto cultural e quais os possíveis usos da Vila no futuro, que dialoguem com seu passado e com as atuais necessidades do bairro e da cidade.

O fato concreto, é que, após a compra do conjunto arquitetônico pela Prefeitura, em 2006, para desapropriação,por ser um bem de utilidade pública, as mais de 100 famílias  que ali viveram por  décadas,   foram transferidas para unidades da CDHU localizadas na região do próprio Bixiga e no Bom Retiro

foto: Instituto Pedra
Se forem respeitadas as diretrizes de uso do conjunto após a conclusão do restauro, a prioridade é reproduzir a diversidade cultural da cidade, como uma típica “vila paulistana”.  Não está prevista a ocupação das casas pelos seus antigos moradores.  A utilização será multidisciplinar, valorizando o patrimônio histórico, as artes, educação, lazer e gastronomia. Uma atração a mais será um museu multimídia sobre a Vila Itororó e a história de São Paulo na década de 20. Além disso, haverá residência artística, salas de ensaio, espaços de cinema, teatro, dança, circo, oficinas e até um playground
  
foto: Milu Leite
Um registro importante sobre o construtor da Vila Itororó: Francisco de Castro não era um comerciante português como aparece em sites de pesquisa e até livros sobre o personagem. Em documentário produzido pelo Instituto Pedra, um depoimento de dois sobrinhos netos, Francisco de Castro Sobrinho e Elza de Castro, não deixa dúvidas de que ele nasceu em Guaratinguetá. Filho de uma família de imigrantes portugueses, foi para Portugal ainda pequeno e retornou sozinho para o Brasil com 19 anos. Dirigiu uma indústria têxtil e atuou no mercado de exportação de café, fez fortuna, comprou terrenos em várias regiões da cidade, incluindo os bairros da Aclimação e Bela Vista onde ergueu a Vila Itororó. Morreu em 1932, aos 55 anos, depois de ficar muito endividado pelas perdas resultantes da crise mundial de 1929.  Após seu falecimento, todos os seus bens e imóveis, incluindo a Vila foram leiloados entre os credores.

foto: Helio Bertolucci
O complexo também chegou a pertencer a Instituição Beneficente Augusto de Oliveira Camargo, fundadora da Santa Casa de Indaiatuba, que usou a Vila Itororó como garantia de renda, alugando as casas para as famílias estabelecidas .

 Além do palacete, com quatro pavimentos e 18 colunas, que era a residência de Francisco de Castro e decorado com os materiais residuais da demolição do antigo Teatro São José, outro destaque na Vila é a Casa das Carrancas, a segunda maior construção e que também mostra diferentes ornamentos  incluindo vitrais, esculturas de animais e cariátides femininas. Algumas destas peças, por exemplo a da Deusa da Beleza e das cabeças de três leões, estas bem danificadas, estão separadas e protegidas num espaço do galpão aguardando a restauração.

2 comentários:

  1. Você é transparente com o progresso do projeto. Bjs amor.

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  2. Procuro ser sempre. É Inegável que o projeto avançou, mas que segue inacabado.Obrigado pelo comentário.

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