Edifício Martinelli
foi um “sonho de ficar mais perto do Céu”
Martinelli visto da av S.João- foto Google |
Ele surgiu há quase um século. Com início em 1924, foi inaugurado
duas vezes: a primeira em 1929, com 12 andares, e a segunda em 1934, com seus
atuais 30 andares. Projetado pelo engenheiro-arquiteto húngaro, William
Fillinger, contratado pelo seu idealizador, o comendador italiano Giuseppe Martinelli,
demorou 5 anos para ser concluído. É que a construção de um prédio tão alto, gerou polêmica e chegou a ser embargada pela Justiça, em 1925, sob o argumento
de que tinha ultrapassado o limite estabelecido pela Prefeitura, não era segura
e poderia desabar.
Giovanni Martinelli - foto Wikipédia |
Martinelli superou todas as barreiras, teve paciência, foi
persistente e foi acrescentando andares. E quando o prédio atingiu os 25, em
1928, ergueu uma Vila Italiana, com um palacete para sua moradia, completando
assim os 30, seu maior objetivo. Estava no ponto mais alto da cidade. Talvez,
quem sabe, para ficar “mais perto do Céu”, de acordo com alguns
comentários a ele atribuídos na época..
O Edifício Martinelli, com 130 metros, foi um marco na
história da arquitetura paulistana. É todo feito em alvenaria e concreto.
A maior parte do material era importada, incluindo o cimento, que veio da
Suécia e da Noruega. O prédio, na ocasião, o mais alto da América Latina
e o segundo do país, esteve perto de ser demolido pela Prefeitura,
sua atual proprietária, depois de um período de decadência, devido ao descaso,
ausência de manutenção e ocupação desordenada, quando deixou as colunas
sociais da mídia para frequentar á páginas do noticiário policial. E não foi
sem razão, pois muitos crimes e suicídios ocorreram nas suas dependências.
Felizmente, para enriquecer a paisagem urbana, o prédio, cuja
construção rompeu com os padrões da época, e apresentava traços de
arquitetura francesa, foi reformado e preservado na gestão do prefeito
Olavo Setúbal, em 1975. A reabertura ocorreu em 4 de maio de 1979.
Desde então, passou por outras obras de restauração e
atualmente tem seis andares ocupados pelo Sindicato dos Bancários e os demais
pela Secretaria Municipal de Habitação, Cohab e Emurb e numerosas empresas
privadas. O Edifício Martinelli tem mais de 2.000 dependências e um movimento
diário de 3 mil pessoas que ali vão a trabalho.
Terraço e palacete - foto Google |
É de se lamentar que a sua principal atração, o terraço da Vila
Italiana do Comendador Martinelli, com 800 metros quadrados, e palco de muitas
festas, bailes e recepções no seu passado áureo, e de onde se têm vistas
fantásticas de São Paulo, não esteja aberta à visitação. O que acontecia até
março deste ano, sempre aos sábados.
Nos últimos três anos chegou a receber 60 mil pessoas,
desde
turistas comuns do Brasil e de fora, até artistas famosos do cinema e da TV,
que conheceram toda a história do Martinelli e do milionário empreendedor e seu
idealizador , o comendador Giuseppe Martinelli. Contada em detalhes pelo guia
Edson Cabral, que atuou nas Rádios Gazeta e Bandeirantes. Ele trabalha no
edifício há 12 anos, foi supervisor geral da segurança e é seu atual
relações públicas. Segundo informações do síndico do prédio, Sinval
Vilachi, a visitação ao terraço e outros eventos no
local foram suspensos até que seja concluído e executado um projeto, em
elaboração, para uma nova reforma. Mais uma das muitas em sua história, de
altos e baixos.
Turistas no prédio - foto Cantinhodena.com.br |
Mas, os paulistanos e turistas que passam diariamente pela
rua Líbero Badaró, onde fica uma das entradas do edifício, pelo menos têm
a oportunidade de conhecer o lendário Café Martinelli – Midi, um dos
condôminos do pavimento térreo do velho Martinelli.
Com projeto que remete à época da inauguração do prédio, o
estabelecimento funciona ali desde outubro de 1993. Tanto suas mesas e objetos de
decoração são originais e o Café se orgulha de ter sido eleito o melhor da
cidade, durante três anos, nos quesitos comida, ambientação e serviço, por uma
revista e um guia especializados.
Além do expresso, feito com grãos 100%
arábica, tradicional ou orgânico, são servidos cappuccinos, chocolates, drinks
e salgados de qualidade. Quem quiser almoçar, encontra uma culinária
típica de bistrô, que inclui pratos como o Vol-au-vent (torta de massa
folheada, com 10 cm de diâmetro, servida com variedade de recheios e
acompanhada de salada ou arroz branco). O cardápio tem ainda massas,
carnes, peixes, quiches e croques. Se você não dispensa uma boa
sobremesa, pode escolher entre brownies, tortas feitas na própria cozinha do
Café Martinelli, e sorvetes.
Filme e orquestra na inauguração
Exatos 22 dias antes do início da
Grande Depressão, quando houve a Crise da Bolsa de Valores de Nova York , que quebrou
a economia mundial e gerou também uma grave crise política no Brasil, o
prefeito Pires do Rio inaugurou, em 2 de outubro de 1929, o luxuoso e charmoso
Edifício Martinelli.
Martinelli visto de fora - foto GS Noticias |
Apesar de ser uma entrega parcial,
pois o prédio tinha na ocasião apenas 12 dos 30 andares com os quais foi
finalizado em 1934, transformou-se em um grande evento social, animado pela
orquestra do Maestro Gabriel Migliori e com a exibição do filme “O Pagão”,
estrelado por Ramon Navarro. A partir daí, todos os que chegavam a São
Paulo faziam questão de conhecer o Martinelli e contemplar a cidade
lá do alto. Entre as personalidades que registraram sua presença no edifício
que se tornou um marco da metrópole estavam o Príncipe de Gales, em visita à
Capital, e Júlio Prestes, que na ocasião era o Presidente do Estado.
Vista do 26ºandar - foto Trip Advisor |
No mesmo ano, Giuseppe Martinelli
mudou-se para o prédio com sua família, formada pela esposa, duas filhas e a sogra.
Estava concretizado seu antigo sonho.de erguer o primeiro arranha-céu de São
Paulo. E este fato gerou uma curiosidade: muitas pessoas mostravam receio de
passar pelo local, acreditando que a gigantesca obra poderia desabar. Então,
para demonstrar que não havia este risco, ele foi ocupar a “Vila Italiana”, de
três andares, que havia construído a partir do 26º andar, para sua
residência.
Arturo Patrizi, um professor de dança,
foi o primeiro inquilino do Martinelli, onde montou uma escola para dar aulas e
que alcançou grande sucesso na época.
O Martinelli, na sua fase inicial, era
dividido em três setores: na rua Líbero Badaró ficava a parte residencial,
destinada aos ricos da cidade; a da rua São Bento foi reservada para a área do
comércio e, a da av. São João, abrigava o Hotel São Bento e os salões Verde e
Mourisco, bastante procurados pela elite paulistana.
No edifício também funcionou o
famoso Cine Rosário, então o mais sofisticado cinema da cidade e que se tornou
ponto de encontro nas noites de sexta-feira.
Quebra da Bolsa, venda e leilão
A quebra da Bolsa de Valores de
Nova York, em 1929, com consequências na economia de todo o mundo,
liquidou com os planos do conde Martinelli. Ele contava que o edifício
seria ocupado pela classe rica da cidade, mas com a crise, houve grandes perdas
e não conseguiu vender os apartamentos para recuperar todo o dinheiro que
investiu na obra.
documento do embargo- foto: Google |
Sem recursos para saldar as dívidas,
restou como única alternativa vender o prédio para o Instituto Nazionale
di Crédito per il Lavoro Italiano all’Estero (ICLE), em 1933. O Banco ficou com
o prédio até 1943..
Mas, surgiu um fato novo, quando a
Itália, aliada da Alemanha na 2ª Guerra Mundial, afundou navios
brasileiros. O governo do Brasil confiscou os bens dos cidadãos italianos,
alemães e japoneses existentes no país. E o Edifício Martinelli ficou sob
administração Federal e, em seguida, foi a leilão.
Como nesta ocasião, o conde Martinelli
já havia recuperado sua condição econômica e financeira, que lhe permitiu
construir, inclusive, 14 prédios no Rio de Janeiro, tentou reaver o prédio que,
entretanto, foi vendido para Milton Pereira de Carvalho e Herbert Levy.
Na sequência, o prédio foi fatiado pelo Banco do Brasil e passou a ter
103 proprietários.
Assim, tornou-se o primeiro edifício do Brasil a
se transformar em condomínio, com cerca de 70% nas mãos do poder público e 30%
do setor privado.
De acordo com os registros da época, condôminos
importantes passaram pelo Martinelli. Foi sede, por exemplo, do Partido
Comunista, e no mesmo andar do Partido Integralista. A UDN também instalou-se
no prédio, assim como agremiações esportivas como o Palmeiras,e a Portuguesa de
Desportos, e entidades como o Instituto Dante Alighieri, a Ordem dos
Músicos, além da Federação Paulista de Medicina e o Sindicato dos Alfaiates.
Degradação e renascimento
A história do “Edifício
Martinelli foi marcada também por um longo período de degradação, e alguns mistérios. Na décadas de 60 e 70, sob administração dos 103
proprietários, e com o nome alterado para Edifício América, transformou-se em um
cortiço, por ser uma alternativa barata para se morar no centro da cidade. Os
responsáveis perderam o controle do prédio, o que fez com que um grande número
de pessoas o ocupasse. E foram adaptando as estruturas existentes
às suas necessidades, usando os tanques para lavar roupa como pia e os
sanitários para servir de cozinha.
Acompanhando a decadência, o
Hotel São Bento, aberto para ser um dos mais requintados e receber hóspedes de
alto nível, passou a ser cada vez menos utilizado e pouco a pouco foi
sendo desativado.
A partir de então, o Martinelli passou
a ocupar diariamente as páginas da crônica policial, pela ocorrência de
assassinatos, alguns até hoje não elucidados, casos de prostituição e
suicídios. E, como não poderia deixar de ser, surgiram histórias de que o
prédio ficou mal assombrado e, claro, com a presença do fantasma de uma mulher
loira que caminhava à noite pelos seus corredores.
Quem entrava no interior do prédio,
encontrava de tudo um pouco: igrejas e prostíbulos, bares, bilhares,
danceterias e apartamentos detonados. As famílias que ali moravam tinham que
conviver com o mau cheiro, iluminação clandestina e precária. Sem falar no medo
constante dos marginais que circulavam e se escondiam nas dependências do
edifício.
Para completar este quadro, os
corredores ficavam sempre às escuras, o lixo, em certa oportunidade, alcançou a
altura do 6º andar e só seis elevadores estavam em operação.
Quando já havia chegado ao fundo do
poço, e na gestão do prefeito Olavo Setúbal, o Martineli passou, finalmente,
por uma grande reforma. Os moradores receberam a ordem de despejo para que as
obras fossem iniciadas. Na ocasião, muitas famílias ficaram sem ter para onde
ir e o problema habitacional da cidade de São Paulo virou tema constante na
mídia.
Prefeito Olavo Setúbal na reinauguração |
A reforma foi feita com financiamento
pela Prefeitura, Banco Itaú e por alguns dos proprietários do prédio. A Administração Municipal também comprava a parte dos proprietários que não
tinham recursos para colaborar com as obras de restauração. De acordo com o que
foi divulgado, durante os trabalhos foram encontrados corpos de crianças nas
tubulações no Martinelli, fiações clandestinas e um grande volume de lixo nos
poços dos elevadores.
Toda a história da saga do comendador
Giuseppe Martinelli, desde sua chegada ao Brasil, em 1892, e da
construção do primeiro arranha-céu de São Paulo, pode ser acessada pelo
site prediomartinelli.com.br.
O sonho de um visionário. Ainda bem que o prédio foi restaurado e continua abrigando tantas pessoas em atividades diversas. Vida longa e prosperidade aos seus condôminos.
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