Legado da educadora Anália Franco é bem
maior do que nome de um bairro e de shopping
“Depois do pensamento e da palavra de Deus, nada é mais belo e mais nobre do que a missão do verdadeiro educador da infância. A abnegação, o desinteresse e o sacrifício devem ser a única divisa da pessoa a quem Deus e a sociedade concederam tantas prerrogativas. O seu ministério, todo moral, e a dignidade das suas funções medem‐se pela profundidade das suas responsabilidades. O mais sagrado de todos os interesses sociais é a educação popular e é por isso que os espíritos verdadeiramente humanitários consideram esta missão como um dos poderosos meios de fazer o bem”.
Casarão do Regente Diogo Antonio Feijó |
Com raras exceções, e entre elas certamente estão incluídos os que comemoraram na última semana, em todo o país, o Dia do Professor, poucos conhecem bem a obra de uma das mais importantes educadoras do Brasil, Anália Franco. É dela a mensagem sobre o papel do magistério que destaco na abertura deste post em sua homenagem.
Apesar de ter criado e mantido em sua época, em quase todo o país, principalmente no Estado de São Paulo, mais de 100 escolas e instituições de ensino e apoio a crianças órfãs, abandonadas na Roda da Santa Casa, viúvas, mães desamparadas e "moças decaídas", seu extraordinário legado nunca teve o devido reconhecimento ao longo da história.
E, mesmo em se tratando de São Paulo, onde passou a maior parte de sua vida, a educadora é mais lembrada por ter seu nome dado a um bairro nobre da capital, que surgiu na década de 60, um luxuoso shopping, além do antigo parque que atualmente é o CERET, estabelecimentos de ensino, creches, vias públicas e um sem número de lugares espalhados por cidades onde deixou marcas do seu trabalho.
Numa época em que a sociedade brasileira era predominantemente machista, escravocata,
Antiga sede do Lar Anália Franco- foto: divulgação |
Professora, abrigo para órfãos e cega
Na mais completa obra sobre Anália Franco, “A Grande Dama da Educação Brasileira”, de Eduardo Carvalho Monteiro, cuja primeira edição data de 1992, encontramos os mais importantes fatos relacionadas à vida e à obra desta professora. Uma mulher que também foi jornalista, escritora, teatróloga, poetisa, feminista, republicana, abolicionista e espírita. Ou seja, tudo o que a sociedade daquela época não queria ser.
Anália Franco - foto : divulgação |
Iniciou seus estudos em Resende (RJ), onde nasceu em 29 de fevereiro de 1853, filha de Antônio Mariano Franco Junior e Teresa Franco, que era professora, e teve dois irmãos: Antônio Mariano Franco e Ambrosina Franco de Salles. Com 8 anos, em 1861, veio para São Paulo e continuou os estudos em escola onde a mãe era diretora. Em 1876 mudaram-se para Guaratinguetá e ali começou a lecionar com 16 anos. Voltou para São Paulo em 1877, matriculou-se na Escola Normal que havia sido reaberta e concluiu o curso em 1878.
Depois de algum tempo, fundou o Externato Santa Cecília e em seguida transferiu-se para São Carlos do Pinhal, onde residiam sua irmã Ambrosina e o marido Júlio Salles, mas ficou pouco tempo na cidade. Anália foi para Taubaté e ali fundou seu primeiro abrigo para crianças órfãs. Nessa mesma ocasião iniciou sua carreira de jornalista, escrevendo para as revistas A Família, O Eco das Damas e A Mensagem.
Para divulgar suas ideias educacionais e pedagógicas, começou a publicar a revista Álbum das Meninas, em 1898. Mas, neste período uma doença a deixou temporariamente cega. Mesmo assim, continuou escrevendo artigos para as revistas e conseguiu publicar três romances: A Égide Materna, A Filha do Artista e A Filha Adotiva, este em fascículos impressos na revisa Álbum das Meninas.
A Associação e a Colônia Regeneradora
Na cidade de São Paulo, a obra mais marcante de Anália Franca ocorreu no início do século XX, mais exatamente em 17 de novembro de 1901, quando a educadora fundou a Associação Feminina Beneficente Instrutiva, cuja sede inicial foi no Largo do Arouche, passando nos anos seguintes pela Ladeira do Piques, Rua São Paulo, Rua dos Estudantes, uma chácara em Pinheiros, em 1910 e, finalmente em 18 de fevereiro de 2011 comprou, sem qualquer recurso financeiro, com um grupo de senhoras de todos os níveis sociais, a Chácara Paraíso, de 75 alqueires de terra, que pertencia ao coronel Serafim Leme da Silva, na parte alta do Tatuapé, região Leste da Capital.
No terreno, formado em parte por matas e capoeiras, e o restante com diversas
Interior da Universidade- foto: divulgação |
O objetivo da instituição, de acordo com o pensamento da educadora, muito avançado para o Brasil de fins do século XIX e início do século XX, era “ recolher as mulheres pobres, com ou sem filhos, que se acham ao desamparo; meninas órfãs ou filhas de pais inválidos; meninos com suas mães, até 8 anos; os filhos de mães operárias de 2 anos para cima; criar aulas de instrução primária, secundária e profissional, diurnas e noturnas, para asiladas ou não; criar seções especiais para enfermeiras e mulheres arrependidas”. A entidade acolhia a todos, independentemente de sexo, cor ou religião.
Do Sítio do Capão Grande à Chácara Paraíso
Data de 1968 a formação daquele que se transformaria, menos de 50
anos depois, num moderno bairro residencial de classe média alta, e que hoje compreende parte do Tatuapé e da Vila Formosa, na Zona Leste da Capital.
CERET- foto : divulgação |
De acordo com os registros, a Associação instalou-se na Chácara
Paraíso, cujo proprietário mais ilustre foi o Padre Diogo Antôno
Feijó, a partir de 1829, que se tornou Regente do Império (1837 a 1935), e morou no local por 14
anos.
A Chácara Paraíso fazia parte do Sítio Capão Grande, que
pertencera à sesmaria do bandeirante Francisco Velho, tinha 75
alqueires e Anália Franco deu à chácara o nome de “Colônia Regeneradora
Romualdo de Seixas”, em homenagem a um bispo baiano, seu orientador espiritual.
Até 1934, a entidade usou o velho prédio erguido no século XVII em
taipa de pilão. Era um casarão assobradado central, com duas extensas alas
térreas laterais, medindo cada uma cerca de uns 100 metros, a senzala e os antigos currais. Por causa do
precário estado de conservação, precisou passar por uma grande reforma que tornou
as instalações adequadas para os objetivos da instituição filantrópica.
Antes, em 1930, foi iniciada a construção de um moderno prédio de
dois andares, com numerosas e amplas dependências. O edifício ocupava o mesmo
terreno, distante pouco mais de 100 metros à frente do antigo, com a sua ala
frontal voltada para a atual Avenida Regente Feijó. Nele está instalado, desde
2001, um Campus da Universidade Cruzeiro do Sul.
Nas instalações da Associação, não se ensinavam apenas as matérias
que são a base do aprendizado. Foram criadas oficinas para confeccionar roupas,
porta-jóias, bonecas e brinquedos. Montou-se uma tipografia, onde as alunas
aprendiam a profissão de tipógrafas e ao mesmo tempo imprimiam as revistas
educativas para divulgação dos ensinamentos da instituição. Criaram-se cursos
de enfermagem e de arte dentária, que dava base ao atendimento das próprias
alunas e foi formado um grupo dramático-musical, que por oito anos apresentou-se
em cidades do interior paulista e de outros Estados. Por onde passou, Anália deixou o exemplo do seu trabalho. Ela foi a
inspiradora das mais de uma centena de entidades que surgiram, semelhantes à
sua, ensinando e amparando milhares de pessoas desassistidas espalhadas pelo
país.
Shopping Análise Franco - foto: divulgação |
Anália Franco, desde 1906 era casada com Francisco Antônio Bastos,
que fora contratado para fazer a contabilidade das escolas, asilos e creches e
também fazia os pagamentos da instituição. Muito mais que um simples contador,
foi o responsável pela supervisão e administração da entidade. Após a morte da
esposa, Bastos foi para Minas Gerais para fundar o Lar de Órfãos Anália Franco, mas,
perseguido pelo clero local, foi obrigado a seguir para o Rio de Janeiro, onde
fundou o Asilo de Órfãos Anália Franco, concretizando um antigo desejo de sua
mulher. Ele faleceu no Rio em 19 de agosto de 1929.
O antigo casarão e Lar Anália Franco foi tombado pelo Condephaat
em 1984 e pelo Conpresp em 1991 e atualmente é propriedade particular, fechada ao público. A instituição ocupou a Chácara Paraiso até 1993, quando foi vendida e loteada, dando origem ao bairro que é hoje o Jardim
Anália Franco. O último presidente da Associação, eleito em 1965, foi Hugo
Paulo Braga, que permaneceu no cargo até a venda da sede.
A instituição atualmente cumpre a nobre missão educacional de Anália Franco, semeada a 114 anos, em sua nova sede instalada em uma fazenda no município de
Itapetininga (Rodovia SP 127, Km 166).
A escola instalada no município de Itapetininga ainda funciona?
ResponderExcluirTb gostaria muito de saber
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