quinta-feira, 13 de julho de 2017

Muita arte, história e lendas nas igrejas mais antigas de São Paulo (1)


Cerca de 60% da população paulistana é constituída por católicos, de acordo com o Censo de 2010 do IBGE. Outros 21% são cristãos, seguidores da religião evangélica. Segundo a mesma fonte, a maior concentração está na Zona Sul (65%). Mas apesar de frequentar os templos com assiduidade,  principalmente aos domingos, é pouco provável que a maioria dos fiéis conheça a história e os tesouros de arte guardados nos altares e tetos, as valiosas pinturas, imagens e outros objetos sacros no interior das igrejas. Os templos foram reformados e restaurados desde a sua origem, (alguns datam do século XVI). Muitos estão envoltos em lendas. E, em grande número, localizados em diferentes regiões da capital, incluindo o local da fundação de São Paulo, no Pátio do Colégio, no centro velho, até os bairros da periferia, como o de São Miguel Paulista, na Zona Leste.

Neste blog, que será dividido em duas publicações, elaboramos um roteiro, com alguns dados históricos das igrejas católicas mais antigas da cidade e que justificam uma visita dos paulistanos e turistas que veem a São Paulo, independentemente da sua opção religiosa.

foto: Yeda Saigh
Igreja de Santo Antônio

 
Tombada pelo Condephaat desde 1970, por sua importância histórica, arquitetônica e artística, fica na Praça do Patriarca, no centro da cidade. Considerada a mais antiga igreja remanescente da capital, a data exata da fundação, nas últimas décadas do século XVI, é incerta. O registro mais remoto é de 1592, no testamento do bandeirante Afonso Sardinha. que deixou dois cruzados para a “ermida de Santo Antonio”, uma pequena capela construída por fiéis anônimos no final da atual rua Direita.

A primeira reforma ocorreu em 1638 e, no ano seguinte, vieram os primeiros frades da Ordem dos Franciscanos, do Rio de Janeiro. Mesmo após a construção do convento, no Largo São Francisco, em 1647, eles continuaram a zelar pela capela e a mantê-la em funcionamento. Em 1717, houve uma grande reforma para ampliar as instalações, por ordem do primeiro bispo de São Paulo, Dom Bernardo Rodrigues Nogueira  e,neste mesmo ano, a ermida foi elevada à categoria de igreja. Uma terceira reforma aconteceu em 1747 e, em 1774, é fundada a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos, que assumiu a administração do templo e fez ali sua sede. Além de fazer outras modificações que alteraram bastante a fachada da igreja.

Um incêndio em 1891, em edifício vizinho, consumiu parte da igreja. No final desta década, em 1899, a prefeitura intimou a irmandade a demolir e reconstruir a torre e a fachada, para o alinhamento da rua Direita. Tudo foi custeado por Francisco Xavier Pais de Barros, o barão de Tatuí, e pelo conde de Prates, que moravam na região, ainda antes da construção do Viaduto do Chá. As obras se prolongaram por muitos anos e incluíram uma reforma geral da igreja, reaberta com nova fachada, em estilo eclético, em 1919.

Outro incêndio, em 1991, danificou a parte dos fundos do prédio e, em janeiro de 2005, com recursos da Lei de Incentivo à Cultura, foram feitas as obras de restauro, quando se recuperou o estilo barroco do seu interior. Durante os trabalhos, houve a remoção das talhas do século XX, que cobriam os retábulos, e a restauração das pinturas do século XVII, com representação de anjos. O altar-mor, de 1780, também foi recuperado e mostra as cores utilizadas no barroco paulista, em que se destacam o vermelho, o amarelo e o dourado. No seu forro foi descoberta uma pintura seiscentista de boa qualidade técnica e artística, que escapou dos incêndios de 1891 e 1991. As camadas de tintas que cobriam a pintura foram retiradas, permitindo total visualização. Acredita-se que é o afresco mais antigo da cidade, um raro exemplar da pintura autônoma do período colonial.

Igreja de nossa Senhora dos Aflitos

A pequena capelinha fica no Beco dos Aflitos, como é conhecido o beco sem saída, espremida entre prédios, em uma travessa da rua dos Estudantes, na Liberdade. Aliás, a verdadeira saída para quem frequenta o local é a própria porta da igreja. 
foto: Google

Foi erguida em 27 de junho de 1779, conforme consta dos registros do Arquivo da Cúria Metropolitana. Mas, segundo o memorialista das ruas paulistanas, Paulo Cursino de Moura em sua obra “São Paulo de outrora’, ela data de 1774. Na verdade, de acordo com os documentos da Cúria, o antigo Cemitério dos Aflitos, e não a Capela, foi construído em 1775, como solução para os problemas com os sepultamentos que eram feitos nas igrejas ou em qualquer lugar. E o cemitério nasceu para atender às necessidades dos negros, que não tinham acesso aos lugares mais adequados para servir como a sua última morada.

Por volta de 1869, a capela teria passado por uma grande reforma, mas continua tão apertada como sempre foi. É tão pequena que os fiéis sentam-se nas poucas cadeiras ao lado do altar, pois a frente já está quase na própria rua. Dizem que o padre que celebra as missas é o mesmo da Capela das Almas dos Enforcados. Alias, Aflitos e Enforcados são duas capelas que estão ligadas por sua história.
Diz a lenda, que os escravos deixavam os baixos do Carmo, da várzea do Tamanduateí, e subiam a rua Tabatinguera. Paravam na Igrejinha da Boa Morte e depois seguiam para o pelourinho,  no atual Largo 7 de Setembro, onde viam o sofrimento dos seus irmãos de cor e destino. Não raro, caminhavam até o Largo da Forca (atual Liberdade), próximo de onde está hoje a Capela dos Enforcados. Ali ficavam balançando os corpos dos escravos condenados à morte. Muitos desciam aos Aflitos e compartilhavam a dor de uma vida sem esperanças. Esta seria a origem da Capelinha de Nossa Senhora dos Aflitos, a igreja mais escondida do centro de São Paulo.


Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte 

Restaurada em 1980 pelo Condephaat, sua construção, modesta, é feita em taipa de pilão. No seu interior destacam-se a capela-mor com tribunas e um altar com a imagem da padroeira, além das talhas em estilo rococó e neoclássico.


foto: Yeda Saigh
A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte foi instituída em 1728 e tinha como principal característica admitir pessoas de todas as classes sociais, sem distinção. Em 1802, a instituição comprou de Joaquim de Sousa Ferreira um terreno na rua do Carmo, onde construiu a igreja, cuja inauguração ocorreu no dia 14 de agosto de1810, conforme os registros do arquivo da Cúria Metropolitana.

Por sua localização no alto da rua Tabatinguera, dominava toda a entrada das pessoas que vinham do bairro do Ipiranga para o centro. Ela ficou conhecida como a "igreja das boas notícias", anunciadas pelo repicar dos seus sinos. Serviu de sede para várias irmandades, entre as quais a dos padres agostinianos e a Cúria da Sé, que para lá se transferiu durante a construção da nova catedral.

Capela da Santa Cruz dos Enforcados 

foto : Google
   A construção desta Igreja, também conhecida como das ”Almas”, teve origem após a condenação à forca, em 1821, véspera da Independência do Brasil, do cabo Francisco José das Chagas, o Chaguinhas, por ter liderado uma revolta do Primeiro Batalhão de Caçadores, em Santos, onde servia. O motivo do movimento: obter aumento do soldo e igualdade no tratamento de soldados brasileiros e portugueses.
São Paulo estava sob o governo provisório e a rebelião em Santos foi severamente reprimida. A condenação de Chaguinhas chocou a provinciana cidade de São Paulo, no início do século XIX. Todos conheciam e admiravam o menino pobre e sem ofício, que cresceu na rua das Flores, atual Silveira Martins, próximo à Igreja do Carmo, que fazia pequenos serviços e nadava nas águas do rio Anhangabaú..
A chance de um futuro melhor fez com ele prestasse o serviço militar em Santos, onde chefiou a rebelião que o levou à forca. Ela foi erguida no atual Largo da Liberdade e a execução ocorreu no dia 20 de setembro de 1821. Antes, foi o soldado Contindiba, seu companheiro também condenado. Mas, na vez de Chaguinhas a corda arrebentou e ele caiu, enquanto o povo gritava “Liberdade!”. Era costume perdoar o condenado ou comutar-lhe a pena, nestes casos. Porém, o governo manteve a execução. Só que a corda se partiu de novo. E então o povo gritou “Milagre!”. Mas o Chaguinhas foi enforcado na terceira vez.

A injustiça, associada ao milagre, fez surgir uma devoção imediata no local. O povo acendeu velas e ergueu uma cruz. Dizia-se que nem vento, nem chuva apagavam as velas e depois de muito tempo foi construída uma capela. Teria sido em 1887, segundo Miguel Milano em seu livro “Fantasmas de São Paulo”. Mas outra documentação revela que a primeira missa foi celebrada em 1º de maio de 1891 e este seria o ano de sua fundação. Com a autorização, dada em abril de 1911 à Irmandade de Santa Cruz dos Enforcados, pelo arcebispado que já havia sido criado nesta época, foi oficializado que a festa da igreja seria sempre no dia 3 de maio..

Documentos do Arquivo da Cúria Metropolitana informam que a capela passou por reformas significativas na década de 20. No ano do jubileu, em 2.000, houve um incêndio provocado pelas velas depositadas por uma devota. Outros pequenos incêndios ocorreram desde o início do século XX, mas a igreja das Almas não teve maiores danos e permanece em seu lugar de origem.

Igreja e convento de São Francisco
 
foto : Yeda Saigh

Três dos mais importantes
 marcos históricos de São Paulo estão reunidos no tradicional Largo de São Francisco. Eles integram o principal conjunto de arquitetura barroca da cidade: as Igrejas São Francisco de Assis e das Chagas do Seráfico Pai São Francisco e a Faculdade de Direito.
A Igreja de Ordem Primeira, mais conhecida como Igreja de São Francisco de Assis, teve construção iniciada em 1642 e foi inaugurada em 1647. É de taipa de pilão e as paredes têm 1,5 metros de espessura. Ganhou características barrocas com as obras de reformas durante o século XVIII  e, a partir de 1884, a fachada foi modificada e a entrada central aberta. A história dos frades franciscanos é mostrada em imagens, no interior do templo, e chamam a atenção algumas portuguesas, de grande valor, como a de São Francisco, considerada a mais bela existente em um convento franciscano no país, além de pinturas da Virgem e de São Benedito.

Depois de fazer parte do complexo, e de abrigar a Faculdade de Direito da USP a partir de 1827, o prédio do Convento foi demolido em1930 e surgiu no local uma construção mais ampla, em estilo neo-colonial, concluída em 1934. É a famosa Faculdade de Direito do Largo São Francisco, a mais antiga do Brasil e referência na sua área de atuação. A biblioteca aberta ao público tem cerca de 300 mil títulos, muitos de autoria de ex-alunos  como Rui Barbosa, Castro Alves, Monteiro Lobato e Álvares de Azevedo. 

 Já a primitiva capela que deu origem à Igreja Chagas do Seráfico Pai Francisco começou a ser construída em 1676 e foi concluída em 1787. Após uma ampla reforma para ampliação foi tombada como patrimônio histórico em 1982. Seu rico acervo tem bustos de terracota do século XVII, estátuas de santos e documentos do século XVIII, castiçais banhados em ouro e pinturas em tela e nos forros. Os altares, folheados a ouro e as estátuas representam as fases clássica, primitiva e posterior do estilo barroco.Também são destaques as pinturas de José Patrício da Silva Manso que retratam passagens da vida de São Francisco.
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2 comentários:

  1. Amor, você é e sempre será um jornalista que chama a atenção dos leitores completamente absortos pelas matérias que escolhe. Que Deus te conserve assim por muuuuito tempo. Tenho orgulho em ser sua esposa. Beijo.

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    1. amor, além de tudo,dvoce é a minha leitora favorita. Bjs.

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